MIRÓ NO BRASIL
quem diga que o espanhol Joan Miró (1893-1983) tinha sexto sentido para captar as coisas mais simples da vida. Lúdico, poético, experimental e um dos mais amados artistas do século 20, o surrealista ganha pela primeira vez a maior exposição de suas obras no Brasil com a abertura de Joan Miró – A Força da Matéria. A mostra será apresentada no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, entre 24 de maio e 16 de agosto, e depois seguirá para o Museu de Arte de Santa Catarina, em Florianópolis, onde poderá ser vista de 2 de setembro a 14 de novembro.
Realizada em parceria com a Fundação Joan Miró de Barcelona e com o apoio da família do pintor, escultor, gravador e ceramista, a exposição traz 112 trabalhos do catalão - 41 pinturas, 22 esculturas, 20 desenhos, 26 gravuras e 3 objetos – produzidos entre as décadas de 1930 e 80.
Cabeça na Noite (1968)
Homem, Mulher, Pássaro (1959)
Como já está indicado no título da mostra, a relação de Miró com os materiais dos mais diversos é o grande destaque da exibição, que traduz a vontade do artista de chegar à “pureza da arte” por intermédio da experimentação, como afirma Teresa Montaner, conservadora da Fundação Joan Miró. Criações pictóricas sobre tábuas de madeira, por exemplo, uso de lápis de cera e até de sacos plásticos, ou mesmo a realização de gravuras em variadas técnicas e de peças escultóricas em bronze representam a inquietação do surrealista e seu percurso de definição de signos e símbolos que o acompanhariam em sua trajetória. Constelações, pássaros, figuras femininas e elementos da natureza aparecem na obra de Miró como representação da “comunicação harmônica entre o céu e a terra”.
Grupo de Personagens no Bosque (1931)
Mulher na Noite (1973)
Mulher Sob o Luar (1970)
Mulher e Pássaro (1967)
LUGARES DE MIRÓ NA ESPANHA
Três localidades da Espanha – Barcelona, Mont-roig del Camp e Palma de Mallorca – foram fundamentais para Joan Miró em sua trajetória. Na verdade, é importante destacar também as temporadas passadas pelo artista em Paris, principalmente, em meados da década de 1920, quando teve contato intenso com o poeta André Breton e a vanguarda surrealista. Entretanto, como destaca Rosa Maria Malet, diretora da Fundação Joan Miró, foram as tradições populares e culturais de seu país uma das principais fontes de sua obra. “Sem as experiências vividas pelo artista no meio rural, que tanto apreciava, seria difícil captar o sentido de suas esculturas”, afirma a curadora da exposição Joan Miró – A Força da Matéria. “Todas as fontes culturais ligadas às mitologias mediterrâneas fazem referência à mulher, como símbolo da vida e da fertilidade; aos astros, que marcam o transcorrer do tempo e o ciclo da vida; e aos seres alados, a meio caminho entre a essência terrena e a divina.” A seguir, uma breve descrição dos lugares de Miró na Espanha – e abertos à visitação.
Mont-roig del Camp
Em catalão, significa "monte vermelho". Na pequena localidade na região de Tarragona, na Catalunha (a cerca de 120 Km de Barcelona), onde está preservada a casa de campo da família de Joan Miró, o artista encontrou a inspiração para uma de suas cores preferidas – ao lado do azul intenso. A paisagem árida de Mont-roig, rodeada por uma cadeia de montanhas pedregosas e do mar, foi um dos principais temas do breve período inicial de sua carreira, na década de 1910, quando Miró se dedicou a realizar pinturas figurativas com referências ao fauvismo e ao cubismo. “Ele falava da região como uma religião”, conta Rosa Maria Malet. A árvore típica do local, a alfarrobeira, tornou-se, ainda, um dos principais símbolos para o artista e seu sítio, fonte de conhecidas pinturas como a famosa La Masia (1921-22) comprada diretamente de Miró, em Paris, pelo escritor norte-americano Ernest Hemingway. A tela faz menção à casa de campo do pintor, atualmente, transformada no espaço Mas Miró, que será aberto à visitação pública em 2016. A atmosfera simples da residência, com seus móveis e decoração preservados, assim como o ateliê usado pelo artista quando passava temporadas na região, promovem uma relação de intimidade com a história do surrealista.
La Masia (1921-1922)
Interior da casa de campo comprada pela família de Joan Miró em 1911
Fachada da residência que poderá ser visitada pelo público a partir de 2016
A paisagem montanhosa de Tarragona foi retratada pelo artista em suas primeiras obras
O neto do surrealista, Joan Punyet Miró, e reprodução de retrato do artista em Mont-Roig
Miró inspirou-se nos espaços do seu sítio para criar a pintura La Masia, comprada por Hemingway
Barcelona
A cidade natal do artista abriga uma série de suas obras públicas, como um famoso painel instalado no aeroporto de Barcelona e a monumental escultura Mulher e Pássaro, de 22 metros de altura. Miró também escolheu uma área no Parque Montjuic, no alto da capital catalã, para a construção da Fundação Joan Miró, inaugurada em 10 de junho de 1975. Como conta a diretora da instituição, Rosa Maria Malet, o pintor e escultor convidou o amigo e arquiteto Josep Lluís Sert (1902-1983) a projetar o museu dedicado ao surrealista. A Fundação Joan Miró, que recebeu 650 mil visitantes em 2014, apresenta, em salas expositivas e em áreas a céu aberto, uma coleção que perpassa a prolífica trajetória do artista por meio de pinturas, esculturas, objetos e tapeçarias. A instituição também guarda volumoso acervo gráfico, com destaque para belos livros criados por Miró - como o exemplar da histórica edição de Constelações (1959), com obras do catalão e poemas de André Breton, e trabalho de parceria com o poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto.
Visitante aprecia as obras do artista em uma das salas expositivas da Fundação Joan Miró
Esculturas, tapeçarias, pinturas e desenhos doados por Miró são exibidos permanentemente
Outra sala expositiva da Fundação Joan Miró, inaugurada em 10 de junho de 1975
Pátio interno da instituição projetada por Josep Lluís Sert dá para piscina com vista para Barcelona
Além de obras expostas, Fundação Joan Miró também conserva coleção de papéis e livros do artista
Palma de Mallorca
Em 1956, já vivenciando o sucesso internacional como artista, Miró decidiu se recolher na ilha de Palma de Mallorca, onde viveu e trabalhou até o fim de sua vida. Hoje, o neto do artista, Joan Punyet Miró, de 46 anos, mora na casa onde o pintor morou com a mulher, Pilar. Trata-se de uma agradável construção, com vista para a baía de Palma – e colada a ela foi construída a Fundação Pilar i Joan Miró, inaugurada em 1981. Projetada por Rafael Moneo, a instituição expõe a coleção de obras da família do artista e também abre à visitação o famoso "Ateliê Sert", projetado pelo arquiteto catalão Josep Lluís Sert. A fachada do espaço de trabalho do pintor tem detalhes arquitetônicos que remetem a gaivotas em voo. O público também pode conhecer o antigo celeiro transformado por Miró em local de criação, cujas paredes, por exemplo, são forradas de desenhos do surrealista. Os traços a carvão teriam sido realizados como anotações de ideias e sonhos do artista. “Este lugar é como um sítio arqueológico com pinturas rupestres”, descreve o neto de Miró.
Entrada da Fundação Pilar i Joan Miró, projetada pelo arquiteto Rafael Moneo
Fachada do famoso ateliê de Miró em Mallorca, criado pelo arquiteto e amigo Josep Lluís Sert
Interior do espaço de criação do artista conserva algumas de suas pinturas inacabadas
Outra vista do interior do ateliê de Miró, com objetos de trabalho e seus móveis
PARA CONTINUAR COM MIRÓ EM SP
Depois – ou antes de visitar a exposição Joan Miró – A Força da Matéria, no Instituto Tomie Ohtake, é possível aproveitar a ocasião para conhecer duas importantes pinturas do artista em exibição em outras instituições de São Paulo.
Personagem Atirando Uma Pedra num Pássaro (1926)
O guache sobre papelão, que pertence ao acervo do Museu de Arte Contemporânea da USP por doação de Yolanda Penteado e Ciccillo Matarazzo, integra a exposição O Artista como Autor/O Artista como Editor, em cartaz na instituição. Obra de um dos mais importantes períodos criativos da carreira de Miró, a pintura representa o momento em que o pintor dava início à sua pesquisa no campo do surrealismo. “É um exemplo da união de valores dadá e surrealistas: apresenta uma espécie de ectoplasma em uma praia deserta ao lado de luas, olhos, círculos, compondo uma paisagem surreal, ao mesmo tempo em que faz alusão ao espírito dadá, através de seu grafismo, com formas que parecem ter sido tiradas de revistas em quadrinhos”, descreve o texto do MAC-USP.
Cabeça e Aranha (1925)
O óleo sobre tela também criado por Joan Miró na década de 1920 é um dos destaques da exposição Picasso e a Modernidade Espanhola, que fica em cartaz até 8 de junho no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo. A obra com traços singelos e fundo azul-claro faz parte da coleção do Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, de Madri, uma das principais instituições da Europa.
CRONOLOGIA
SERVIÇO
Joan Miró – A Força da Matéria
Instituto Tomie Ohtake
Rua Coropés, 88 - Pinheiros, São Paulo - SP
(11) 2245-1900
De 24 de maio a 16 de agosto
De terça a domingo, das 11h às 20h
Entrada R$ 10 (grátis às terças-feiras)
Museu de Arte de Santa Catarina,
Avenida Gov. Irineu Bornhausen, 5600 - Agronômica, Florianópolis - SC
(48) 3664-2629
De 2 de setembro a 14 de novembro
Créditos
Textos: Camila Molina
Imagens: © Successión Miró, Miró, Joan AUTVIS, Brasil, 2015
Design: Fabio Sales
Tipografia: Tano Veron