Tecnologia vai do telégrafo às redes sociais

Segunda edição da ‘Província’ já falava da revolução causada pela transmissão elétrica de mensagens

Renato Cruz

Imagine um mundo em que o mais avançado meio de comunicação era o telégrafo elétrico. Criado em 1844 pelo americano Samuel Morse, ele permitiu transmitir instantaneamente mensagens ao redor do mundo. Seu impacto na vida do século 19 pode ser comparado ao da internet no fim do século 20.

A edição de 5 de janeiro de 1875 reflete sobre os efeitos da mudança tecnológica: “Como o livro matou o monumento de pedra e o jornal vai matando o livro, assim o telegrama ameaça substituir a correspondência epistolar”.

A transmissão de mensagens usando código Morse foi o primeiro passo da revolução das tecnologias de informação e comunicação. Em 1876, o escocês Alexander Graham Bell recebeu a primeira patente pelo aparelho que criou nos Estados Unidos. Já no ano seguinte, o telefone chegava ao Brasil. Em 21 de dezembro de 1877, este jornal noticiou: “O telefone, recentíssimo e admirável descobrimento americano, foi ensaiado no Rio”.

Era preciso explicar aos leitores como funcionavam os aparelhos telefônicos, “muito mais simples do que os empregados na telegrafia”: “Por meio de um tubo de madeira, que se aplica ao ouvido, compreende-se distintamente, havendo completo sossego, todas as palavras que no outro ponto são pronunciadas por qualquer pessoa junto de idêntico tubo”.

O telefone móvel só chegaria muito mais tarde, em 1990, lançado pela Telerj, no Rio. Levando em conta os 278 milhões de telefones móveis atualmente no Brasil, os planos anunciados na chegada do serviço eram bem modestos: “Rauber disse que até novembro os 700 assinantes cariocas que compraram essas modernas linhas telefônicas já poderão fazer ligações”.

A linha telefônica móvel custava Cr$ 700 mil (R$ 37,5 mil em valor corrigido), cara mesmo se financiada em seis vezes, como foi oferecida na época. Bem diferente de hoje, em que um chip de celular pré-pago pode ser comprado por menos de R$ 10. No lançamento do serviço, o aparelho portátil (também existiam as versões fixada no carro e transportável) saía por Cr$ 500 mil (cerca de R$ 26,7 mil).

O primeiro celular portátil do mundo foi o Dynatac, da Motorola, que começou a ser vendido nos Estados Unidos em 1984. Pesava 790 gramas e tinha 25 centímetros, sem contar a antena. Era um aparelho que só falava. A atual era dos smartphones chegou para valer em 9 de janeiro de 2007, quando Steve Jobs, então presidente da Apple, anunciou o iPhone. “Apple lança telefone celular que também funciona como iPod”, noticiou este jornal no dia seguinte. O tocador de música digital era um grande sucesso da Apple e, no lançamento, o iPhone ainda não aceitava aplicativos de terceiros, o que acabou fazendo toda a diferença no mercado de celulares inteligentes.

Patinho Feio. Primeiro computador feito no Brasil a chegar ao mercado (KENJI HONDA/ESTADÃO)

Computadores. O Eniac foi o primeiro computador eletrônico de uso geral. Financiado pelo Exército americano, tinha como principal tarefa calcular tabelas de artilharia. “No dia 14 de fevereiro de 1946, o general Gladeon Barnes, do Exército dos Estados Unidos, apertou um botão e pôs em marcha a era dos computadores. O botão pressionado por Barnes em uma sala da Universidade da Pensilvânia colocou em funcionamento o Eniac (sigla em inglês para Integrador Numérico e Computador Eletrônico), um gigantesco equipamento de 30 toneladas, tubos catódicos e cabos”, descreveu reportagem sobre os 50 anos da computação, em 1996.

A história da computação no Brasil começa em 1957, com a chegada do primeiro “cérebro eletrônico” ao País. “Muitos outros vieram, até que em 1961 o ITA construiu Zezinho, o primeiro computador brasileiro. Mais tarde, foi a vez do Cisne Branco, Unicamp, e do Patinho Feio, da USP, em 1972. O Departamento de Águas e Esgotos de São Paulo foi a primeira empresa nacional a usar um computador”, lembrou texto publicado em 1987.

O nome Patinho Feio foi uma resposta bem-humorada ao Cisne Branco, da Unicamp. Os dois projetos disputavam concorrência da Marinha e o Patinho Feio venceu. “O grupo da Poli preparou o Patinho Feio por três anos. O contrato com a Marinha, chamado de G-10 em homenagem ao comandante Guaranys, ex-aluno da Poli, era a grande meta do programa. O governo queria um computador feito em solo nacional que pudesse substituir os que equipavam fragatas compradas da Inglaterra”, destacou reportagem sobre os 30 anos do Patinho Feio.

Celulares. O pioneiro Motorola DynaTAC e um modelo de 2009

O projeto da USP serviu de base para a criação da Computadores e Sistemas Brasileiros S.A. (Cobra), estatal que deu origem à indústria brasileira de informática, em 1974.

Conexão. A chegada da internet ao Brasil foi noticiada por este jornal em 24 de novembro de 1988, sob o título “Cientistas vão entrar em rede internacional”: “Nos próximos dias, quando for ligado um cabo submarino da Embratel, os pesquisadores das três universidades paulistas poderão utilizar o computador para trocar informações com cientistas dos maiores centros do mundo. Eles estarão integrados ao sistema Bitnet, uma rede internacional de computadores que permite conversar com outros pesquisadores”.

A Bitnet (sigla de Because It’s Time Network) era uma rede precursora da internet. A conexão tinha 4,8 quilobits por segundo e custava à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) US$ 150 mil anuais. Para se ter uma ideia, uma conexão de 10 megabits por segundo, comum na banda larga residencial hoje, tem mais de 2 mil vezes a capacidade do link que chegou ao País em 1988. Naquela época, ainda não existia World Wide Web e as pessoas trocavam pela rede arquivos de texto.

A web só foi inventada em 1989, pelo físico inglês Tim Berners-Lee. Em 16 de maio de 1994, este jornal noticiou a criação da Mosaic Communications Corp., posteriormente renomeada Netscape, empresa responsável pela criação do navegador que tornou a web popular. A Netscape foi fundada por Jim Clark, ex-professor da Universidade de Stanford e fundador da Silicon Graphics.

“Seu sócio é Marc Andreessen, projetista de computadores de 22 anos e membro da equipe de pesquisadores de supercomputadores que colaborou na criação do programa Mosaic, usado para recuperar informações da internet – rede global de computadores usada por cerca de 20 milhões de pessoas”, apontou a reportagem. Atualmente, são quase 3 bilhões de pessoas conectadas em todo o mundo.

As primeiras referências ao Google no Estado relacionavam a empresa ao Yahoo, na época o site mais popular do mundo. Nota de 3 de julho de 2000 informava: “O portal Yahoo passa a usar o mecanismo de busca Google para encontrar informações em seu banco de dados e outros sites. O Google realiza a busca na internet de acordo com a popularidade do site”.

Curiosamente, o Facebook também começou a aparecer no noticiário em conexão como o Yahoo. Em 9 de outubro de 2006, o Google comprou o YouTube por US$ 1,6 bilhão. No dia seguinte, a reportagem analisa: “A aquisição pode pressionar o Yahoo a fechar a compra do Facebook.com, segundo maior site de rede social do mundo”.

Na época, a maior rede social do mundo era o MySpace. No Brasil, a liderança estava com o Orkut, uma empresa do Google. No final, ninguém acabou comprando o Facebook, empresa que vale atualmente mais de US$ 200 bilhões, com 1,35 bilhão de usuários ativos mensais. Do telégrafo – que inaugurou as comunicações a distância em tempo real – ao WhatsApp, serviço de mensagens adquirido pelo Facebook em 2014, foi um longo caminho.

É COLUNISTA DO ‘ESTADO’