Fim do regime militar abriu caminho para um jornalismo investigativo, mas tentativas de controle continuaram
O fim dos 21 anos de ditadura militar e o início da redemocratização, em março de 1985, marcaram uma virada na vida do País e da imprensa – e o Estado se destacou, desde o início, entre os que aproveitaram os novos tempos para informar melhor a sociedade.
Não foi uma virada súbita. A passagem do autoritarismo à democracia se fez aos poucos, deixando para trás os anos de chumbo, a censura sistemática, a Lei de Segurança Nacional. Sem generais à vista, o País já respirava os ares da “Constituição cidadã” – que, por fim, foi promulgada em 1988. Com ela vieram os direitos individuais, como os de expressar opinião, ser informado, produzir e divulgar informação e cultura.
Mas não faltavam desafios a quem tentasse fazer jornalismo sério e independente. A corrupção e a impunidade continuavam à vontade na nova cena política. Denunciá-las e investigar fraudes e abusos significava, às vezes, expor-se ao risco de retaliações. E elas vieram, deixando um saldo, desde os anos 1980, de 29 jornalistas mortos e centenas de outros agredidos. Além disso, a nova Constituição abriu brechas à chamada “censura judicial”, que permitia a qualquer autoridade criticada alegar o direito a privacidade e assim obter sentenças judiciais que impediam a divulgação de denúncias e processos.
Mobilização. Praça da Sé tomada por milhares de pessoas durante comício pró-diretas em janeiro de 1984 (ROLANDO DE FREITAS/ESTADÃO)
Combatividade. Esses desafios em nada alteraram a disposição e o espírito investigativo do jornal. Das fraudes envolvendo as obras da Ferrovia Norte-Sul, já no início do governo José Sarney, em 1986, às mais recentes revelações da Operação Lava Jato, o jornal fez da denúncia dessas irregularidades uma rotina.
Crimes de toda ordem – fraudes, superfaturamentos, propinas, estelionatos, lavagem de dinheiro, caixa 2, acertos entre partidos, nepotismo e assemelhados, muitos dos quais transformados em importantes furos jornalísticos, não saíram do alto das páginas e foram vigorosamente dissecados em editoriais. Muitos desses escândalos continuam na memória dos leitores: anões do Orçamento, caso Sivam, Banestado, Encol, Pasta Rosa, Dossiê Cayman, CPIs da Corrupção, dos Bingos, Precatórios, Bancoop, Cartões Corporativos, Mensalão, caso Francenildo, Atos Secretos...
A eles se somam algumas célebres operações da Polícia Federal – Anaconda, Navalha, Sanguessugas, Satiagraha e Lava Jato, para mencionar só as mais famosas. O Estado não foi o único nesse combate, mas se destacou pelo rigor com que fez, dessa causa, uma prioridade inegociável.
Muitas dessas reportagens valeram o reconhecimento de prêmios importantes. Um dos mais prestigiados do País, o Prêmio Esso, teve o Estado, ou o Jornal da Tarde, seu coirmão de semelhantes cruzadas, na lista de premiados em 42 dos seus 59 anos de existência. Desde O Problema da Segurança de Voo, Prêmio Esso regional conquistado em 1958, ao caderno Sangue Político, Prêmio Esso de Jornalismo de 2014, o jornal colecionou reportagens históricas, como o furo mundial da localização do nazista Klaus Barbie na Bolívia (1972), a revelação das mordomias de Brasília (1976), o desmentido aos generais no caso do Riocentro (1981), bastidores inéditos da Intentona de 1935 (1993) e a denúncia dos Atos Secretos do Senado (2009), para citar só alguns.
Censura. Essa combatividade teve um preço. O jornal está há 1.922 dias submetido, por decisão judicial, a uma censura ainda não revogada. Ela foi imposta em 2009 por um juiz do Tribunal de Justiça de Brasília, velho amigo do ex-senador José Sarney. Atendendo ao filho deste, o empresário Fernando Sarney, o juiz proibiu o jornal de divulgar qualquer informação sobre a Operação Faktor (antiga Boi Barrica) da Polícia Federal, que investigava irregularidades que o envolviam.
O Estado recorreu e o caso aguarda decisão – ele está no momento em mãos da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal. O empresário chegou a desistir da ação, mas o jornal decidiu esperar por uma sentença final, para garantir maior segurança jurídica à imprensa em geral, em casos semelhantes.
Um segundo pedido de censura, que atinge vários órgãos de imprensa, partiu em 2001 do então governador do Rio Anthony Garotinho. Acusado de subornar um auditor fiscal, ele ajuizou no Rio uma ação que impede a divulgação das conversas em questão. O caso também aguarda decisão no STF.