Cobertura econômica tem amplo espaço desde o início

Veterano na cobertura tanto de crises quanto de boas fases, ‘Estado’ criou seção especializada nos anos 1950

Rolf Kuntz

Vencer a crise econômica será a primeira grande tarefa da presidente Dilma Rousseff em seu segundo mandato, depois de quatro anos de baixo crescimento, inflação elevada e contas públicas em deterioração. Acompanhar cada lance desse jogo será uma das prioridades do mais antigo dos grandes jornais da capital econômica do País, veterano na cobertura tanto de crises quanto de boas fases da economia.

“Inflação é projetada em 300% para 1989”, noticiou o Estado em dezembro de 1988, quando foi lançado o Plano Verão. O problema dos preços ficaria bem pior nos anos seguintes, até o lançamento do real, manchete em julho de 1994. Em novembro de 2014 a questão fiscal, a corrupção e os problemas do crescimento apareceriam misturados na mesma notícia: “Contas públicas e Lava Jato devem travar infraestrutura”. Muito antes de o Brasil ser uma das dez maiores economias do mundo, produção, comércio exterior e moeda já eram tema de capa, como notícias ou comentários.

Fábricas e greves. Café era a base da economia paulista no começo do século 20. Em 1902, São Paulo sofreu as consequências do excesso de oferta e da queda de preços. A crise e uma proposta de solução foram tema de um longo artigo na primeira página em 9 de maio. “São Paulo é uma máquina de produzir café, somente café. Tudo foi montado e disposto para esse fim”, escreveu o autor do texto, Augusto Ramos. A melhor saída, segundo o autor, seria cessar o plantio e manter os estoques de 11,5 milhões de sacas, à espera da valorização.

Três épocas. Plantação de café no interior paulista (acima), protesto em Nova York após quebra da bolsa em 1929 e pregão nos anos 70 em São Paulo (ao lado): ao longo de 14 décadas, ‘Estado’ acompanhou de perto todos os fatos importantes da economia brasileira e mundial (ACERVO ESTADO)

A produção cafeeira ainda seria uma das principais atividades por muitos anos, mas a industrialização já avançava nas duas primeiras décadas do século 20. Com a multiplicação das fábricas e da população operária, surgiram grandes movimentos de reivindicação. Na greve geral de 1917, os protestos começaram na indústria e espalharam-se por outras atividades.

“Desde há dias a esta parte”, havia noticiado o jornal no dia 10, “alguns estabelecimentos fabris da capital têm paralisado seu movimento porque os operários, acossados pela carestia da vida e pela miséria dos salários, lançaram-se na greve como recurso que se lhe afigurou mais eficaz para o triunfo dos seus direitos”. Com a morte de um trabalhador espanhol, baleado pela polícia, os protestos se ampliaram. Segundo o jornal, “uma grande quantidade de desordeiros” juntou-se aos operários e “a toda parte levou a desorientação e o pânico”.

Nesse episódio, a imprensa foi muito além da cobertura e dos comentários. Uma comissão de dez jornalistas assumiu a mediação do conflito. O fim da greve foi decidido num comício no Brás, em 16 de julho. Foram aceitas as reivindicações de redução da jornada de trabalho e regulamentação do trabalho de mulheres e de menores. Foram representados na comissão o Estado, o Correio Paulistano, o Jornal do Commércio, o Diário Popular, a Gazeta, A Platea, A Capital, Il Piccolo e a Fanfulla.

O Estado só teria uma seção especializada em economia a partir dos anos 1950, mas a cobertura havia crescido nas três décadas anteriores. O início da crise de 1929 foi uma das notícias principais em 25 de outubro. “A Bolsa de Nova York registrou ontem um formidável desastre financeiro”, informou o jornal no alto da primeira página. Em março do ano seguinte, o dado mais importante já seria o impacto da crise no Brasil, com a queda do preço internacional do café.

Nos 20 anos seguintes, mudaram as condições do desenvolvimento. Julio de Mesquita Filho trabalhou pela criação da Universidade de São Paulo e influenciou na formação inicial de seus quadros. O governo Vargas inovou a legislação trabalhista e a administração pública. A guerra prejudicou a economia, mas, ao mesmo tempo, motivou a implantação de atividades modernas, como a fabricação de motores e a grande siderurgia. Em 30 de outubro de 1945, o jornal noticiou a renúncia de Getúlio Vargas e planos de construção de refinarias em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Novos debates. Surgiram grandes debates entre empresários, economistas e políticos, com teses sobre a industrialização e o papel do Estado na economia. Sem se opor à ação reguladora e até indutora do setor público, o jornal defendeu soluções mais liberais e mais compatíveis com a economia de mercado. A discussão sobre a política de petróleo foi tema, entre 1946 e 1953, de editoriais e séries de reportagens.

Contrário ao monopólio do setor público, o Estado também se opôs à abertura total do setor a estrangeiros, por causa do risco de dominação do mercado. Sem capitais, sem tecnologia e sem capacidade administrativa, o governo, segundo o jornal, deveria abrir espaço à participação do capital privado – nacional e estrangeiro – e impor uma cuidadosa regulação. Prevaleceu o plano monopolista. Nos anos 1970, no entanto, o general Ernesto Geisel instituiria os contratos de risco para incentivar a atuação privada na pesquisa de petróleo.

A cobertura avançou tecnicamente com a importação, nos anos 1940, do economista austríaco Frederico Heller. Nos anos 1950, chegaria o economista e jornalista francês Robert Appy. Heller foi editor de economia até a metade dos anos 1970. Depois, Appy seria editor durante alguns anos e continuaria escrevendo editoriais até os 87 anos, em 2013. Alberto Tamer, recrutado nos anos 1950, chegou ao jornal sem formação específica, mas foi treinado pelos chefes e ganhou destaque profissional.

A partir dos anos 1960, a cobertura se tornaria muito mais complexa. O regime militar realizou boa parte da pauta de reformas deixada pelo governo anterior. Fundou o Banco Central, reorganizou o sistema financeiro, reformou os impostos, implantou minidesvalorizações cambiais e criou a correção monetária para facilitar a convivência com a inflação. A correção favoreceu a poupança financeira e possibilitou financiamentos de longo prazo para habitação, mas tornou-se um fator de realimentação da alta de preços. A maior parte de suas aplicações foi extinta em 1994, com o Plano Real, mas ainda há resíduos da indexação – em contratos de aluguéis, por exemplo. De modo geral, o Estado apoiou as políticas econômicas do período militar.

Depois de anos de rápida expansão, alimentada por grandes investimentos em infraestrutura e estímulos à indústria, a economia foi freada pela crise da dívida externa. Cerca de 40 governos tiveram de renegociar suas dívidas e adotar penosos programas de ajuste orientados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Em 10 de dezembro de 1982, a seção econômica publicou foto de cinco técnicos do FMI na sala de espera do ministro do Planejamento, Antônio Delfim Netto. Essa missão deveria levar adiante a negociação de um crédito stand-by de US$ 4,5 bilhões.

Volta à democracia. Entre 1985 e 1994, os primeiros governos civis tentaram domar a inflação e recompor as condições do crescimento. Os preços ao consumidor, medidos pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), subiram 242,23% em 1985. Em 1983, pouco antes do Plano Real, aumentaram 2.477,15%. O jornal ofereceu coberturas detalhadas de todos os planos de ajuste e foi o primeiro a anunciar, em dezembro de 1988, a última tentativa de estabilização econômica do governo Sarney. O nome Plano Verão foi criação do Estado.

O Plano Real finalmente domaria a inflação. Apesar de graves tropeços, criaria condições para a disciplina das contas públicas, restauração da política monetária e a recomposição das bases do crescimento. “Real já vive desafio dos preços” foi a manchete do jornal em 1.º de julho de 1994, data de lançamento da moeda.

O plano sobreviveu a crises no México, em 1995, e na Ásia, em 1997, mas em 1998 a crise russa e o desajuste cambial acumulado em quatro anos puseram a economia brasileira em xeque e levaram à depreciação cambial. “Desvalorização do real estimula a inflação”, publicou o jornal em 18 de janeiro.

A inflação subiu, mas um novo ajuste resgatou o real em poucos meses. A formação do famoso tripé – meta de superávit fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante – foi uma das consequências desse ajuste, comandado pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan, e pelo novo presidente do Banco Central, Armínio Fraga.

Entre 2003 e 2008, o Brasil foi favorecido pela prosperidade global e pela manutenção do tripé, defendida pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e pelo presidente do BC, Henrique Meirelles.

No segundo mandato de Lula, a disciplina foi mais frouxa. Essa tendência se acentuou no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, com deterioração das contas públicas, das contas externas e inflação sempre longe da meta de 4,5%. “Nova equipe indica ajuste fiscal e gradual e rigor com a inflação” informou o Estado na manchete de 28 de novembro de 2014. Surgia uma expectativa de mudança no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, com início marcado para 1.º de janeiro, três dias antes do 140.º aniversário do Estado.

É JORNALISTA DO ‘ESTADO’