Em 1924, São Paulo é bombardeada; em 1932, vai às armas pela Constituição

‘Estado’ se engajou na guerra paulista, movimento derrotado nas trincheiras, mas vencedor no plano civil

José Alfredo Vidigal Pontes

Em 1924, São Paulo tinha cerca de 700 mil habitantes. De cada três, um deixou a cidade durante a revolução que terminou com bairros bombardeados, 503 mortos, 5 mil feridos e grandes prejuízos em casas, lojas e fábricas.

Para entendê-la, é preciso voltar a 1922, quando estourou no Rio de Janeiro uma rebelião de jovens oficiais do Exército. Sufocada pelo governo Epitácio Pessoa, durou apenas 40 horas, mas teve grande significado político. Começou na madrugada de 5 de julho em Copacabana e terminou com 27 rebelados deixando o forte. Dez se embrenharam pelos rochedos e matas e 17 saíram caminhando armados pela praia de encontro a uma numerosa tropa legalista, bem armada e posicionada. Um turista paulista aderiu ao grupo. O tiroteio foi fatal aos rebeldes, celebrizados como os “18 do forte”. Apenas dois sobreviveram: os tenentes Eduardo Gomes e Siqueira Campos.

O estado de sítio foi mantido após a posse do presidente Artur Bernardes, em 15 de dezembro de 1922. O maior articulador dos opositores era o general gaúcho Isidoro Dias Lopes, que percorria Sul e Sudeste divulgando a ideia de um movimento revolucionário para derrubar o governo.

A ocupação de São Paulo começou na madrugada de 5 de julho. Comandada pelo general Lopes e com a presença de destacados tenentes da revolta de Copacabana, durou 23 dias. A data de início buscava homenagear os “18 do forte” e entusiasmar a tropa com a mística dos 16 heróis mortos.

O Estado deu grande espaço à cobertura do conflito. No domingo, dia 6 de julho, estampou três fotos na capa sob a manchete “Movimento militar”. Logo abaixo, destacava as notícias do ataque ao Palácio dos Campos Elísios, na região central, e a tomada de estações de trem e do telégrafo nacional pelos revoltosos.

Censura. Após o bombardeio de São Paulo pelas tropas legalistas e o fim do conflito, Julio Mesquita foi preso apenas por ter dialogado com os revolucionários e mantido neutralidade. Enviado ao Rio, foi logo liberado. Mas o jornal chegou a ser censurado.

Enquanto terminava a ocupação em São Paulo, outras insurreições ocorriam pelo País. Do Sul vinham militares rebelados comandados por Luís Carlos Prestes, os quais se juntariam no Paraná aos revoltosos vindos de território paulista, formando a famosa coluna Miguel Costa-Luís Carlos Prestes. Nos dois anos em que a coluna perambulou pelo Brasil, o governo de Artur Bernardes foi marcado por grande oposição. Mesmo assim, ele conseguiu passar a Presidência a seu sucessor.

A agitação política permaneceu no governo Washington Luís, que, em agosto de 1927, conseguiu aprovar a Lei Celerada para restringir a liberdade de imprensa e o direito de reunião. Em 30 de julho de 1929, foi lançada a chapa oposicionista com Getúlio Vargas e formalizada a Aliança Liberal. No início de setembro, o Partido Democrático paulista, apoiado pelo Estado, aderia à Aliança.

Em 24 de outubro, ocorreu a grande quebra da Bolsa de Nova York, mas seus efeitos mais graves não se fariam perceber de imediato no Brasil. Isso deu fôlego para o governo impor seu candidato na eleição de março de 1930. Júlio Prestes venceu, mas a situação se reverteria meses depois com o assassinato de João Pessoa, candidato derrotado à Vice-Presidência pela Aliança Liberal.

Vargas no poder. A opinião pública se agitava e a iminência da revolução era comentário generalizado. Finalmente, em 3 de outubro, ela estourou em Porto Alegre, com Getúlio Vargas no comando. No Rio, a opinião pública ficou claramente simpática à rebelião, levando o alto oficialato a depor Prestes em 24 de outubro. Ao passar por São Paulo, o trem que conduzia Getúlio foi entusiasticamente recebido pelos paulistanos.

Essa simpatia se reduziria drasticamente meses depois. Como interventor em São Paulo, foi indicado João Alberto Lins de Barros, um tenente pernambucano sem trânsito no Estado. Em pouco tempo, ele se indispôs com os aliados locais. Outros militares o substituíram até que se formou a Frente Única Paulista, unindo antigos inimigos, como o Partido Democrático e uma parcela do Partido Republicano Paulista.

Em novembro de 1931, gaúchos e paulistas começaram a pressionar pela convocação de uma Assembleia Constituinte. Em 7 de maio de 1932, Vargas marcou as eleições para dali a um ano e conseguiu descontentar a todos: para os constitucionalistas, era muito tarde; para os tenentes, muito cedo.

Durante o mês de junho, Vargas iniciou gestões de aproximação com os “constitucionalistas”. Mas, pressionado de outro lado pelos tenentes, acabou desistindo da reforma ampla que prometera, causando a retomada da conspiração.

Os gaúchos não estavam mais seguros quanto ao posicionamento de Flores da Cunha, o interventor no Rio Grande do Sul, e em razão disso pediam que se adiasse o início da rebelião. Getúlio havia repassado verbas para gaúchos e mineiros, iniciativa que neutralizou qualquer possibilidade de adesão dos governantes dos dois Estados a uma eventual revolta constitucionalista.

Início. Ignorando esses problemas, o general Bertholdo Klinger, comandante militar de Mato Grosso, precipitou-se ao provocar a insurgência contra Vargas na noite de 9 de julho. Pegos de surpresa, os gaúchos não puderam se articular convenientemente. E, em Minas, onde a articulação prévia era ainda mais frágil, a adesão armada foi nula.

Não fosse a enorme mobilização industrial paulista e a grande participação de civis, o conflito teria terminado bem antes. Eram cerca de 40 mil insurgentes, muitos voluntários, contra 300 mil soldados do governo, que se revezavam de modo a manter constantemente nas frentes de combate cerca de 100 mil soldados descansados. Uma rápida adaptação da indústria paulista para a guerra chegou a assustar a ditadura em agosto, surpreendida pela eficiência alcançada na reposição de armas e munições.

No dia 10, o Estado estampava a manchete: “Está victorioso em todo o Estado o movimento revolucionário de carácter constitucionalista”. O jornal e a família Mesquita tiveram participação ativa na articulação da revolução e até mesmo na luta armada. Os irmãos Julio de Mesquita Filho, Francisco Mesquita e Alfredo Mesquita se alistaram e foram para a frente de batalha no Vale do Paraíba.

Apesar do entusiasmo dos constitucionalistas, a disparidade de forças era enorme. Klinger, que prometia uma tropa de 6 mil mato-grossenses, chegou a São Paulo com dez. O apoio gaúcho foi de cerca de 300 homens, com ações restritas ao interior do Rio Grande. No Rio, oficiais aliados esperaram em vão o avanço de tropas paulistas. Aí, em Salvador e Belém, estudantes promoveram protestos reprimidos pela polícia.

Final. A Revolução Constitucionalista chegou ao fim em 2 de outubro, 85 dias depois de iniciada, com a rendição dos rebeldes. Suas lideranças civis e militares foram expatriadas, incluídos Julio de Mesquita Filho e Francisco Mesquita, embarcados à força para Portugal.

Mas nas eleições para a Assembleia Constituinte os constitucionalistas conseguiram eleger 71% dos representantes paulistas. Essa inquestionável demonstração de popularidade acabou forçando Vargas a conceder anistia geral e promulgar nova Constituição em 1934.

É HISTORIADOR E AUTOR DO LIVRO A POLÍTICA DO CAFÉ COM LEITE: MITO OU HISTÓRIA?