Apoiada pelo ‘Estado’, Campanha Civilista é marco de mobilização

Batalha de Rui Barbosa para chegar à Presidência mostrou insatisfação da classe média urbana com a antiga política

Wilson Tosta / RIO

O diretor do Centro de Pesquisas da Fundação Casa de Rui Barbosa, sociólogo José Almino de Alencar, aponta a Campanha Civilista, apoiada em 1910 por O Estado de S. Paulo, como ponto de mudança na política brasileira. Participação popular até então inédita, emergência da classe média urbana como ator político e protestos pós-eleitorais contra fraudes marcaram a tentativa de Rui Barbosa de chegar à Presidência. Do outro lado, estava o candidato oficial, marechal Hermes da Fonseca, ex-ministro da Guerra. Daí o caráter antimilitar assumido pela tentativa do jurista de chegar ao Palácio do Catete.

“A República foi proclamada por meio de um golpe militar. Os dois primeiros presidentes eram militares. E logo depois se estabeleceu uma presidência civil, em torno do acordo proporcionado e conduzido pelas bancadas dos grandes Estados, Minas e São Paulo”, diz Alencar. “Então se formou a política dos governadores, um acordo oligárquico que dividia a Presidência e as sucessões à Presidência. Com a ascensão da candidatura de Hermes da Fonseca, surgiu o espectro de um retorno ao militarismo. Isso não foi conduzido prioritariamente por Rui nem por seus aliados. Mas surgiu da campanha popular, que teve uma repercussão bem maior do que as anteriores.”

Alencar lembra que, após os governos de Deodoro da Fonseca (1889-1891) e Floriano Peixoto (1891-1894), houve uma sucessão de presidentes paulistas. Foram Prudente de Moraes (1894-1898), Campos Sales (1898-1902) e Rodrigues Alves (1902-1906). Este, contudo, não conseguiu fazer um sucessor de São Paulo. O posto foi para o mineiro Affonso Penna, que morreria em 1909. Seu vice, Nilo Peçanha, assumiu. Hermes foi lançado, o que desagradou a São Paulo e à Bahia. A elite paulista sustentou a candidatura de Rui à Presidência, assim como a baiana.

A oposição do Estado às articulações sucessórias do Catete se revelara antes. Seu diretor, Julio Mesquita, assinalou que “candidaturas oficiais e princípios democráticos são duas coisas que uma à outra se repelem”. A crise se instalara quando a República ainda era comandada por Penna. Um virtual candidato, o mineiro João Pinheiro, morrera em 1908. Penna tentou emplacar como candidato oficial seu ministro da Fazenda, David Campista. Rui, assim como Mesquita, repeliu-o. A morte de Penna ocorreu em meio às articulações. O lançamento de Hermes fez a crise se agravar. A proximidade com Rui Barbosa aumentou.

“Com São Paulo, O Estado de S. Paulo apoia a candidatura de Rui”, conta Alencar. “Em São Paulo, há uma tradição republicana paulista, específica. Em segundo lugar, Rui foi uma tentativa de criação de uma posição liberal no Brasil, que não vingou e coincidia com a linha e os editoriais de O Estado de S. Paulo. Rui, de certa maneira, funda uma perspectiva liberal no Brasil. A Campanha Civilista funda algumas linhas ideológicas, inclusive o udenismo. Uma contribuição importante foi a ampliação do público político. É uma campanha em que o candidato da oposição teve pela primeira vez mais de 10% dos votos, teve 35%.”

Derrotado numa eleição marcada pela fraude, como era costume, Rui teve suas denúncias contra as irregularidades publicadas no Estado.

“Começavam a aparecer os jornais de massa no Brasil”, explica Alencar. “O que eram os jornais até então? Eram de grupos políticos, financiados por personagens. Quando o jornal começa a se tornar de massas, inclusive incorporando notícias populares, começa a adquirir certa autonomia como veículo de referência.” Para Alencar, essa mudança ajudou a reforçar a Campanha Civilista.

O pesquisador destaca que o eleitorado, na época, era perto de 2,7% da população. Isso não diferia de outros países. Apesar do reduzido número de votantes, foi a primeira campanha do País mais parecida às que viriam depois, com comícios cheios e declarações de voto.

É JORNALISTA DA SUCURSAL DO RIO DO ‘ESTADO’