Prestígio e arte marcam década de 50

Dois símbolos do período são a sede na Rua Major Quedinho e as notícias internacionais dominando a primeira página

José Alfredo Vidigal Pontes

Empossado o governo provisório logo após a saída de Getúlio Vargas em 1945, coube ao ministro da Justiça, o jurista Sampaio Dória, cuidar da devolução do jornal a Julio de Mesquita Filho e Francisco Mesquita. Em poucos anos, O Estado de S. Paulo recuperava seu largo prestígio moral e comercial. Essa vitalidade resultaria na construção de nova sede na Rua Major Quedinho, no centro da cidade, inaugurada no início dos anos 1950, os mais fervilhantes da vida do jornal.

Em plena Guerra Fria, a primeira página só estampava noticiário internacional. Grandes jornalistas, como Giannino Carta e Claudio Abramo, davam ao jornal um padrão só alcançado por alguns diários americanos e europeus. Sua alta credibilidade trouxe grande aumento de tiragem, propaganda e anúncios classificados.

Em 1951, o Estado instituiu o Prêmio Saci para destaques do teatro e do cinema. Ganhadores recebiam o mais prestigiado troféu do meio artístico brasileiro nos anos 1950 e 1960: uma estatueta de bronze de um saci estilizado pelo escultor Victor Brecheret.





Entre smokings e vestidos de gala, Cacilda Becker, Tônia Carrero, Maria Della Costa, Eva Wilma, Marisa Prado, Walmor Chagas, Alberto Ruschell e Anselmo Duarte foram alguns dos artistas que brilharam nas concorridíssimas e glamourosas noites de entrega do prêmio no Cine Marrocos.

No final dos anos 1940 e decorrer dos anos 1950, havia uma participação efetiva da elite econômica na produção cultural em São Paulo. O mecenato florescia na plutocracia paulista. Em 1947, Assis Chateaubriand fundou o Museu de Arte de São Paulo (Masp), instituição que contava com generosas contribuições do empresariado.

Apaixonado por teatro e amigo de infância de Ciccillo Matarazzo, fundador do Museu de Arte Moderna (MAM), Franco Zampari inaugurou em 11 de outubro de 1948 o Teatro Brasileiro de Comédia, o legendário TBC, como ficaria conhecido. Excelente promotor de cultura e entretenimento, ele contribuiu decisivamente ao aprimoramento técnico da arte não só pelas produções em si, como pelos profissionais de alto nível que trouxe da Europa. Mas acabou arruinado financeiramente depois de se envolver com a Vera Cruz, produtora cinematográfica que marcaria época na história do cinema brasileiro. Seu grande erro foi financiar as instalações caríssimas com empréstimos bancários, os quais nunca conseguiu pagar.

Também em 1948, era inaugurada a Escola de Arte Dramática, instituição que formou uma nova e talentosa geração que se envolveria com o TBC. A EAD, como ficaria conhecida, foi fundada por Alfredo Mesquita, um dos filhos do jornalista Julio Mesquita que preferiu trilhar carreira no teatro, tendo sido ator, diretor, dramaturgo e educador. Hoje integrada à Universidade de São Paulo, continua formando grandes profissionais.

Boemia. Nos áureos tempos do TBC e da Vera Cruz, no início e em meados dos anos 1950, o centro da capital paulista fervilhava. O bar do Hotel Jaraguá, instalado no mesmo prédio onde funcionava o Estado, na Rua Major Quedinho, era ponto de encontro de artistas e intelectuais. Outros locais famosos eram o Nick Bar e o Paribar. Neles, reuniam-se não só nomes do TBC e da Vera Cruz como intelectuais da USP, os primeiros profissionais das iniciantes TVs Tupi e Record e os jornalistas do Estado.

Em 1956, o jornal lançava o Suplemento Literário, que seria a mais importante publicação cultural brasileira por duas décadas. A partir de um projeto editorial de Antonio Candido, foi montada uma redação dirigida por Décio de Almeida Prado. O projeto gráfico coube a Ítalo Bianchi. Praticamente todos os grandes intelectuais brasileiros da época colaboravam para o caderno e as ilustrações eram feitas por grandes artistas.

Além da evidente preocupação literária, tratada em uma linguagem nem jornalística nem acadêmica, o Suplemento dava muito espaço às artes visuais. Não estampava fotos, apenas ilustrações – assinadas tanto pelos já consagrados Di Cavalcanti, Portinari, Lívio Abramo, Clovis Graciano e Flávio de Carvalho como pelos então iniciantes Renina Katz, Maria Bonomi, Marcelo Grassmann, Fernando Lemos, Antonio Lizarraga e Aldemir Martins. Além de muitos outros: entre 1956 e 1967, foram encomendadas 966 ilustrações, um rico acervo cujos originais estão preservados no MAM de São Paulo.

Construção de Brasília. No plano político, o jornal esteve na oposição durante os governos de Eurico Gaspar Dutra, iniciado em 1946, e de Getúlio Vargas, em 1951, embora tenha apoiado em 1953 a criação por este da Petrobrás.

Também continuou na oposição no governo de Juscelino Kubitschek. Isso não o impediu de apoiar projetos importantes para o crescimento do Brasil, como o plano de desenvolvimento da indústria automobilística, sempre alertando, no entanto, para o crescente abandono das ferrovias.





A construção de Brasília mereceu grande espaço no noticiário. Na edição de 21 de abril de 1960, data de inauguração da capital federal, além das reportagens, centenas de anúncios saudavam a cidade planejada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.

Mas o material encabeçado por “Iniciadas as solenidades em Brasília”, a manchete do segundo clichê, não abandonou o tom crítico em relação ao que batizou de “a mais paradoxal das capitais do mundo”. Um dos trechos do primeiro parágrafo dizia: “Noventa por cento da vida administrativa do País continuará se desenrolando no Rio. Noventa por cento da vida política, no Rio, em Belo Horizonte e em São Paulo. Da vida econômica, da vida social, noventa por cento no Rio e em São Paulo. Em Brasília, ficarão o pó, as barracas de campanha, as tábuas com prego, as instalações provisórias e precárias, e esse triste e confuso aspecto de obra em construção, que tem esta imensa área de 5.400 quilômetros quadrados”.

No dia seguinte, o jornal destacou a grande repercussão que a inauguração de Brasília havia tido na Europa, além das mensagens de congratulações recebidas de todo o mundo. Na capa, duas fotos: no alto, uma do papa João XXIII lendo uma mensagem aos brasileiros e, abaixo, outra dos dragões da Independência perfilados na nova capital.

É HISTORIADOR E AUTOR DO LIVRO A POLÍTICA DO CAFÉ COM LEITE: MITO OU HISTÓRIA?