As confissões

do DOI-CODI

Agentes do órgão criado pelos militares em 1969 para combater a grupos de esquerda contam

como eles agiram até 1991; entrevistas inéditas revelam detalhes de prisões e de mortes

Comando.
O general D’Ávila Melo (3º da esq. para a dir), que chefiou o 2º Exército

ESTADÃO ACERVO

por MARCELO GODOY

riado pelos militares com o nome de Operação Bandeirante em 1969, o  Destacamento de Operações de Informações (DOI) ganhou esse nome em setembro de 1970. Ele centralizou o combate aos grupos de esquerda que se opunham ao governo militar inaugurado em 1964. Com uma estratégia militar e com táticas policiais, o destacamento uniu militares das Forças Armadas e integrantes das Polícias Civil, Militar e Federal.

Para contar sua história, foram entrevistados 97 pessoas, 25 das quais agentes que trabalharam no lugar. São homens e mulheres – militares e policiais – que revelaram detalhes de prisões e mortes.  Também foram ouvidos coronéis, delegados e políticos que cuidaram da Segurança Pública do Estado. Vinte trechos de entrevistas concedias entre 2004 e 2014 – todas inéditas – foram selecionados para mostrar como o destacamento atuou durante o regime e o que pensavam seus homens. Algumas das vozes fora distorcidas para preservar o anonimato de  agentes.

C

‘Quem caiu morreu’

Benetazzo, um dos mortos pelo DOI, em documento encontrado no Arquivo do Estado / REPRODUÇÃOO tenente Chico relata aqui a reação do DOI-Codi à morte do delegado Octávio Gonçalves Moreira Junior, o Otavinho, ocorrida em 25 de fevereiro de 1973. O agente se refere ainda em dois trechos de suas entrevistas à ordem que havia entre os homens do destacamento de matar todos os militantes dos grupos armados da esquerda que tivessem sido treinados em Cuba, na União Soviética, na China ou Argélia. Na maioria dos casos, o guerrilheiro, segundo o relato, era morto “na rua mesmo”. Alguns, no entanto, foram capturados, torturados e executados. São casos como os de Ayrton Adalberto Mortati, sequestrado, torturado  e morto em 1971, como o de Frederico Mayr, preso, baleado, torturado e morto em 1972 e Antonio Benetazzo, preso e executado em 1973. Todos eram integrantes do Movimento de Libertação Popular, o Molipo, grupo destroçado pelo DOI.

 

 

 

‘A gente matava e recolhia. Tinham de morrer mesmo’

A tenente Neuza conta como os agentes do destacamento transportavam os corpos de pessoas mortas pelo DOI até a sede do DOI, no Ibirapuera. Nascida em 1936, ela confirmou que o destino dos militantes que tivessem feito cursos de guerrilha no exterior e fossem apanhados pelo DOI era a morte. A mesma sentença atingia os que tivessem sido banidos do País em troca da liberdade de um dos quatro diplomatas estrangeiros sequestrados entre 1969 e 1970 pela guerrilha. De fato, nenhum dos dez guerrilheiros banidos que retornaram ao Brasil e foram presos entre 1971 e 1973 sobreviveu. Em 1973, o Centro de Informações do Exército (CIE) produziu duas apostilas distribuídas aos seus agentes com os nomes de 314 guerrilheiros brasileiros que haviam sido treinados na China (110) e em Cuba (204).

 

Neuza entre os agentes do destacamento
que receberam a Medalha do Pacificador em 1973
/ ARQUIVO PESSOAL

 

Uma ‘família’ contra a ‘famiglia’

Don Masino, ‘Il boss dei due mondi’, foi preso em 1972 no Brasil depois de uma operação iniciada pelo DOIOs homens do Destacamento formavam uma ‘família grande e poderosa’.  As palavras do agente alemão para descrever a união entre os agentes do DOI conduzem o policial à lembrança sobre uma das mais desconhecidas operações levadas à cabo por seus homens: a perseguição aos integrantes da União Corsa, grupo francês que atuava no refino de heroína enviada para os Estados Unidos no que ficou conhecido como french connection. Seus serviços eram usados pelos chefões da Cosa Nostra entre os quais Tommaso Buscetta, conhecido como ‘il boss dei due mondi’. De fato, Don Masino era ligado ao chefão Salvatore Greco, na Sicília, e à poderosa Famiglia Gambino, da máfia de Nova York. Em 1972, ele veio ao Brasil para organizar o envio de cocaína à máfia nova-iorquina. Os militares do DOI passaram as informações ao delegado Sérgio Paranhos Fleury, que prenderia Buscetta em 2 de novembro de 1972. Torturado no Dops, o mafioso acabou extraditado para a Itália. Nos anos 1980, após nova prisão no Brasil, ele se tornaria no primeiro grande
colaborador de Justiça contra Cosa Nostra,
levando para a cadeia centenas de mafiosos.

 

‘Cheguei em cima dele com meu revólver’

José Idésio Brianezi era de um grupo Tático Armado (GTA) da Ação Libertadora Nacional (ALN), grupo guerrilheiro que lutou contra o regime militar. Em 13 de abril de 1970 ele foi surpreendido por uma equipe do DOI na pensão onde morava na Rua Itatins, perto do Aeroporto de Congonhas, na zona sul de São Paulo. Aqui o relato do agente Absalon Moreira da Luz sobre a prisão e morte do guerrilheiro. Ferido no peito, o policial militar que trabalhava em uma equipe da Seção de Busca do DOI conta como atirou em Brianezi. O guerrilheiro urbano foi uma das 79 pessoas mortas em operações em que a participação do DOI foi determinante desde a fundação em 1969 até o fim do destacamento em 1991.

 

O depoimento de Absalon sobre o caso, em 1969 / REPRODUÇÃO

 

‘A dor é o limite do homem’

A tortura fazia parte do cotidiano no DOI. Mais do que uma forma de martírio, seu uso respondia a uma necessidade operacional, relatam os antigos agentes. Para eles, o método funcionava em muitos casos. Tudo era uma questão de eficiência, afirmam. É isso o que conta aqui o agente Chico (nome fictício), um tenente da Polícia Militar que trabalhou durante anos na repressão às organizações da esquerda. Diante dela, não havia como manter o silêncio. O dirigente do PCdoB Carlos Nicolau Danielli, morto sob tortura por se recusar a falar, foi uma exceção. Chico conta o desafio feito por um preso e revela, tanto tempo depois, o sentimento de vitória dos agentes cada vez que o martírio lhes trazia uma informação.

A sede do DOI-Codi, onde os presos eraminterrogados em busca de informações / REPRODUÇÃO

 

A prisão que jamais aconteceu

A equipe Cúria foi convocada para a operação. Tratava-se de vigiar um casal de guerrilheiros da ALN: Antonio Carlos Bicalho Lana e Sônia de Maria Moraes Angel Jones, nora da estilista Zuzu Angel. O que os agentes envolvidos nessa operação contaram é uma prisão que oficialmente nunca ocorreu. Segundo a história oficial do Exército, contada pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, então comandante do DOI, o casal morreu em um tiroteio. A farsa é desmontada aqui não por testemunhas, mas pelos próprios agentes que trabalharam no Destacamento. Três deles confirmaram ter participado da prisão de Lana e de sua mulher na Baixada Santista. Aqui temos a entrevista do policial Alemão, que decidiu colaborar e contar o que sabia sobre o casal, executado pelo capitão Ênio Pimentel da Silveira, o Doutor Ney, em 1973.

 

Bruno e Sônia foram mortos depois de
presos pela Seção de Investigação
/ REPRODUÇÃO

‘O que eu aprendi foi no quartel’

Melancia não tinha meio de saber se a esquerda era boa ou ruim. Foi logo aprendendo que era ruim. Dono de um vozeirão, ele era um militar do Exército. Jamais havia revelado sua participação em operações secretas. Quis sempre saber o menos possível. ‘Uma regra de ouro’, diz. O agente Jonas do DOI-Codi é desses que chama o destacamento de ‘açougue’. O jovem que entrou em 1964 no Exército fez curso de informações no Centro de Estudos de Pessoal (CEP), no Rio, antes de ir parar na Casa da Vovó. Aqui ele conta a importância do Exército em sua formação. Melancia participaria das principais ações do Destacamento nos anos 1970. Foi um dos militares que resolveu colaborar com essa pesquisa com a condição de que o anonimato fosse preservado.

 

O Forte do Leme, no Rio, onde o agente Jonas fez o curso de informações

‘Não quis participar, viajava’

Hiram de Lima Pereira havia sido secretário de governo de Miguel Arraes na prefeitura do Recife. Era ainda integrante da cúpula do PCB, que se opunha à luta armada e defendia uma política de frente única contra o governo militar. Morava na zona norte de São Paulo desde o começo dos anos 1970, onde cuidava da distribuição do jornal Voz Operária, órgão oficial do partido. Nesse trecho de uma de suas entrevistas, agente Neuza conta por que ele foi assassinado. Hiram havia sido levado a um cárcere clandestino da ditadura. Era a boate de Itapevi, na Grande São Paulo. Ali foi torturado pelos homens do Doutor Ney. Queriam informações que levassem à localização da gráfica clandestina do partido, no Rio. Acabou sendo executado como outros que passaram pelo lugar.

Hiram de Lima Pereira, o ex-secretário de
Arraes que foi sequestrado e morto pelo DOI
/ REPRODUÇÃO

 

As confissões de Erasmo Dias: A fraude na Chacina da Lapa

O coronel Erasmo Dias, símbolo da repressão em São Paulo, sentou-se em seu gabinete na Câmara dos Vereadores com um maço de papéis na mão. Eram folhas com um texto sobre sua vida, desde que em 1964 tomara o controle do porto de Santos em nome do Exército. Explosivo, Erasmo guardava uma mágoa: tornara-se o antípoda do general Dilermando Gomes Monteiro, que assumira o 2.º Exército após as mortes do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho nas dependências do DOI. Dilermando passara à história como um homem a favor da abertura e Erasmo não. O coronel então resolveu contar como teve de limpar os rastros da morte de João Baptista Franco Drummond, militante do PCdoB, ocorrida dentro do DOI – o que, desde o caso de Fiel Filho, não era mais tolerado pelo governo que acontecesse no destacamento. A versão oficial diz que Drummond  morreu atropelado quando tentava fugir dos agentes na Avenida 9 de Julho.  Erasmo mandou fraudar a perícia sobre Drummond e assim salvou a carreira de dois generais: Dilermando e Arnaldo Bastos de Carvalho Braga, que comandaria a PM paulista. No episódio, conhecido como Chacina da Lapa, além de Drummond, outros dois dirigentes do PCdoB foram assassinados.

 

A casa na Rua Pio XI onde a cúpula do PCdoB foi surpreendida no DOI

 

‘Ele não sabia do cirquinho que iam fazer’

Um dia encontraram em um imóvel da Ação Libertadora Nacional (ALN) uma lista de agentes do DOI. O medo de que fossem alvo de represálias rondava os militares e policiais do destacamento. Para evitar que novos presos despertassem operações de resgate, por meio do sequestro de alguma autoridade, os agentes começaram a simular tiroteios nos quais os presos ‘morriam’. Era o teatro ou cirquinho. Nele se encenava a morte do detido para que os agentes pudessem interrogar sem preocupações o prisioneiro. O destino da vítima já estava selado: ela ia morrer. Mais cedo ou mais tarde. Aqui, a tenente Neuza conta como foi o teatro montado para justificar a morte de um casal da Ação Libertadora Nacional, preso pelo DOI

 

A boate em Itapevi, onde eram guardados presos que deviam morrer

 

Sumiu dinheiro. O botim amealhado no DOI

O general Agnaldo Del Nero foi responsável pelo projeto Orvil (anagrama de Livro), que devia cuidar da versão dos militares sobre a guerra contra as organizações de esquerda. Ele trabalhava então com o general Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército do presidente José Sarney. Nos anos 1970, Del Nero serviu em São Paulo, onde exerceu a função de chefe da 2.ª Seção do 2.º Exército. Incomodado com a quantidade de denúncias de saques efetuados pelos agentes do DOI, o coronel foi até o destacamento conversar com o capitão Ênio Pimentel da Silveira, o Doutor Ney.  Queria aconselhar cuidado. Não bastou. Del Nero foi um dos entrevistados que relatou essa prática dos agentes.  Aqui ele conta a história.

 

O general Del Nero nos anos 1990:
ideólogo do regime militar
/ REPRODUÇÃO

 

‘Eu estava passando a noite com um condenado à morte’

Antonio Benetazzo era um estudante de filosofia da Universidade de São Paulo quando decidiu lutar contra o regime. Entrou para a ALN e, depois, em Cuba, resolveu ingressar no Movimento de Libertação Popular, o Molipo. Era amigo do estudante José Dirceu, outro integrante do grupo. Benetazzo voltou ao Brasil e acabou preso em 1972. Como fizera treinamento em Cuba, era um homem marcado para morrer. E assim foi. O agente Chico conta aqui como Benetazzo se transforou em um fantasma. Por diversos anos, Chico abria o armário de casa e via o rosto do guerrilheiro. Tudo porque a última noite de vida de Benetazzo foi ao lado do agente do DOI. O integrante do Molipo seria executado pelos agentes do doutor Ney, que decidiram simular que ele havia sido atropelado.

 

Laudo médico-legal sobre a morte de Benetazzo / REPRODUÇÃO

 

‘É muito difícil atirar contra alguém’

A Ação Libertadora Nacional (ALN) tinha em Iuri Xavier Pereira um de seus líderes. Em 1972, os homens do DOI encontraram um jovem estudante que passou a ser seguido. Mais tarde, ele se transformaria em um dos informantes do Doutor Ney. Seguindo o futuro informante, os homens da Seção de Investigação do DOI cercaram Iuri e outros três integrantes da ALN na saída do Bar e Churrascaria Varela, na Mooca. Era 14 de junho de 2972. Entre os agentes estava Melancia – um dos cinco agentes presentes no lugar que foram entrevistados nessa pesquisa. A emboscada que terminou na morte de três integrantes da ALN foi o batismo de fogo do militar do Exército. Na Mooca morreram, além de Iuri, Ana Maria Nacimovic Corrrea e Marcos Nonato da Fonseca. Somente Antonio Carlos Bicalho Lana conseguiu escapar ao cerco.

 

Os três mortos e as armas que os militares disseram ter apreendido / ESTADÃO ACERVO

 

‘Um tenente agrediu o coronel’

Vicente Sylvestre era coronel da Polícia Militar quando foi torturado no DOI porque era comunista. Chefe do Estado-Maior do Policiamento do Interior, Sylvestre conheceu instrumentos de tortura como a cadeira do dragão, os choques elétricos e teve a cabeça chutada como uma bola. Era um traidor, segundo os agentes. Seu espancamento no DOI causou revolta na PM. O ministro do Exército, Sylvio Frota, registrou o caso em ata de reunião do Alto Comando do Exército. O chefe da 2.ª Seção do 2.º Exército, coronel José Barros Paes, pela primeira vez fala sobre o que houve com Sylvestre no DOI e confirma que mandou o coronel para o Hospital dos Defeitos da Face antes de  devolvê-lo à Polícia Militar, encarregada de cuidar da suposta célula que o PCB manteria dentro da corporação. Era 1975, e a ofensiva contra o partido estava em pleno vapor.

O coronel Sylvestre fotografado no Dops depois
de ser tratado no hospital
/ REPRODUÇÃO

Vi o Fleury matar de tijolada um cara

Antes que o Exército  tomasse conta da repressão política no País, as polícias estaduais cuidavam da questão. Em São Paulo, havia o Dops. E para lá havia ido o delegado Sérgio Paranhos Fleury. Homem vinha do 6.ª Delegacia Auxiliar, responsável pelo patrulhamento das ruas. Foi nela, com suas duas rondas – a R1, da Força Pública, e a R2, da Guarda Civil –, que ele se tornou conhecido como o homem do Esquadrão da Morte, o grupo de policiais que sequestrava e executava criminosos no Estado. Foram esses métodos – o sequestro, a tortura e a morte – que ele levou para o Dops. Aqui o policial militar conhecido como Pai Velho, que trabalhou no DOI e na ronda com Fleury, conta o que viu durante uma de suas patrulhas.

 

O delegado Fleury (à direita) comandou a repressão
política no fim dos anos 1960
/ ESTADÃO ACERVO

‘Punha a mulher nua para interrogar e dava choque, mas estuprar jamais’

Em suas operações, o DOI buscava sempre contar com a superioridade numérica e a surpresa para capturar seus adversários. Eram as emboscadas montadas pela Seções de Busca e de Investigação que garantiam o abastecimento de presos para os interrogatórios. Elas ajudaram a destroçar a ALN em São Paulo, mas também foram usadas contra o Molipo, a VPR, a VAR-Palmares, o PCdoB, o PCB, e a APML. Enquanto descrevia as operações do destacamento, o agente Chico resolveu mudar de tema e passou a contar como funcionava a Seção do interrogatório, que cuidava de arrancar informações dos presos. Seu relato é sobre o que acontecia com as mulheres detidas pelos militares.

 

A presidente Dilma Rousseff foi uma das mulheres que passaram pelo DOI de São Paulo / ESTADÃO ACERVO

 

‘Eu recebi uma carta dele da Tchecoslováquia’

Roberto Artoni era o braço-direito do capitão Ênio Pimentel da Silveira na mais sigilosa das seções do DOI: a Investigação. Tinha tanta confiança do chefe que, quando ele se ausentava, era Artoni que recebia sua correspondência. Sargento do Exército, ele esteve no centro da engrenagem que fez desaparecer dez integrantes do Comitê Central do PCB entre 1974 e 1975. Nada disso teria sido possível sem a colaboração do agente Vinícius, o informante que Ney conseguiu no coração do partido comunista. Vinícius permitiu que não só o Comitê Central fosse destroçado, levando os militares aos seus encontros, mas também foi responsável pela queda da gráfica do jornal A Voz Operária. Terminado o trabalho no Brasil, ele foi enviado ao exterior. Artoni o levou até a fronteira com o sargento Marival Chaves. Vinícius foi para a União Soviética e, de lá, continuou a trabalhar para o Doutor Ney. Aqui, Artoni conta ter recebido uma correspondência do informante vinda da Tchecoslováquia.

O objetivo dos militares era neutralizar o PCB, conforme mostra o documento;O partido era liderado por Luís Carlos Prestes (ao lado)  / ESTADÃO ACERVO

 

Os militares e a guerra revolucionária

O estudo da guerra revolucionária no Brasil foi marcado pelas obras de autores franceses e portugueses. É dali que saiu o modelo usado nos DOIs no Brasil. Entre os autores mais lidos pelos militares brasileiros estava Gabriel Bonnet, cujo livro Guerras Insurrecionais e Revolucionárias foi editado pela Biblioteca do Exército em 1963. A doutrina da guerra revolucionária, que via o conflito moderno como uma extensão da guerra fria, uma espécie de guerra civil internacional combatida não apenas com armas, mas também com ideias, livros e ações psicológicas foi largamente adotada no País, transformando qualquer oposição ao regime em ato de guerra. Aqui o general Agnaldo Del Nero Augusto, um dos ideólogos da linha dura do Exército, revela a importância de Bonnet para a instrução da Força.

 

O livro de Bonnet foi o mais difundido no País sobre a guerra revolucionária; Os franceses (acima) lutaram em Argel e no interior da Argélia combatendo a insurgência da Frente de Libertação da Argélia  / REPRODUÇÃO

‘Pô, Erasmo, morreu mais um aí’

Fazia pouco tempo que o jornalista Vladimir Herzog morrera no DOI quando o operário Manoel Fiel Filho foi morto no destacamento. Ele foi encontrado pela perícia técnica com a cabeça próxima da janela onde estavam as tiras de pano que passava em torno de seu pescoço, o operário tinha os pés dobrados no chão, pois não havia vão suficiente para que o corpo ficasse pendurado. Erasmo Dias, então secretário da Segurança Pública de São Paulo, foi chamado pelo general Antonio Ferreira Marques, recém-nomeado chefe do Estado-Maior do 2.º Exército. O secretário conta aqui como levou um médico-legista até a sede do destacamento.

 

O coronel Erasmo Dias foi secretário da Segurança Pública de 1974 a 1978/ ESTADÃO ACERVO

 

‘Eu marquei a hora para o Herzog se apresentar’

O coronel José Barros Paes era o todo-poderoso oficial que mandava na repressão em São Paulo entre 1974 e 1976. Como chefe da Seção de Informações do 2.º Exército, tinha sob suas ordens o DOI. Trinta anos depois da morte do jornalista Vladimir Herzog, o homem que o intimou para depor no destacamento deu sua primeira entrevista. Queria falar sobre o amigo, o general Torres de Melo, que comandara a PM paulista de 1974 a 1977. Durante a entrevista, o coronel condecorado com a Medalha do Pacificador, aceitou falar sobre os fatos de seu comando, como o caso Herzog, cuja versão de suicídio, afastada pela Justiça, ele ainda mantém. No segundo trecho, Paes revela que médicos-legistas faziam ‘trabalhos políticos para o DOI, para evitar um mal maior’.

 

O jornalista Vladimir Herzog morto no DOI-Codi / POLÍCIA CIVIL