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A rotina dos moradores do pequeno distrito de São Roque do Paraguaçu, em Maragojipe, no Recôncavo Baiano, sofreu um duro golpe nos últimos meses. Em menos de dois anos, a população local saiu da abundância de emprego ao súbito desemprego, com a paralisação das obras e operação do estaleiro Enseada Indústria Naval – o único grande empreendimento da região. O projeto foi afetado pela Operação Lava Jato, da Polícia Federal, e está parado. Hoje menos de 200 pessoas trabalham no local apenas para manter os equipamentos em ordem.
No auge da obra, em março do ano passado, 7.360 funcionários estavam empregados no estaleiro, sendo que 87% da mão de obra morava na região. Só no distrito de São Roque eram mais de 1 mil empregos numa população total de 6 mil pessoas. Quando as demissões em massa começaram, em novembro do ano passado, os moradores locais sentiram em cheio a reversão do cenário. Muitos tinham se endividado para comprar carros, construir ou reformar a casa e agora estão com o nome sujo na praça. Outros investiram todas as economias em negócios próprios que nem puderam ser inaugurados.
A paralisação do estaleiro chegou antes de os pequenos empresários abrirem as portas dos novos estabelecimentos. Sem perspectiva, a população local busca respostas: a principal delas é se o empreendimento voltará à ativa e se os empregos serão retomados. O questionamento, no entanto, está longe de uma solução. Para voltar ao normal, o estaleiro, que tem três sócios envolvidos na Lava Jato (Odebrecht, OAS e UTC), depende de dois fatores: da liberação do financiamento restante de R$ 600 milhões do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal e da retomada dos pagamentos da Sete Brasil (empresa criada para intermediar a construção de sondas da Petrobrás para exploração do pré-sal), que somam cerca de R$ 900 milhões.
No total, a Enseada construiria seis navios-sonda até 2020, num contrato de US$ 4,8 bilhões com a Sete Brasil, que vive uma intensa crise financeira desde que a Lava Jato foi deflagrada. “Estamos buscando uma solução alternativa de equacionamento financeiro com a Kawasaki (sócia do estaleiro) no mercado japonês, mas ainda é muito cedo para saber o resultado. Neste momento, o melhor seria a Sete Brasil ratificar o contrato”, afirma o diretor de Relações Institucionais e de Sustentabilidade do Enseada, Humberto Rangel.
Segundo ele, de novembro pra cá, mais de 6,6 mil pessoas foram demitidas do empreendimento. Isso significou R$ 120 milhões de salários que deixaram de irrigar a economia local nesse período. Com as famílias desempregadas e menos funcionários de fora das cidades, o comércio sucumbiu ao baixo movimento. Muitos já fecharam as portas e outros não sabem até quando aguentam arcar com as despesas. Sem demanda, eles também desempregam e provocam um efeito cascata. “Tínhamos 25 vans e 25 pais de família trabalhando com a gente. Hoje tenho cinco carros e cinco funcionários”, diz o sócio da Jurere Tur, Luiz Pereira. Ele conta que, da mesma forma que a chegada do estaleiro turbinou os negócios, a paralisia das obras devastou as finanças da empresa, que dependia quase que 100% da operação do empreendimento. Com a queda nos serviços e financiamento bancário, a transportadora teve de vender os veículos para pagar a rescisão dos funcionários e quitar a dívida no banco. “Não temos economia para suportar essa crise. Tudo que ganhamos reinvestimos no aumento da frota. Agora que íamos começar a lucrar, a obra parou”, diz Pereira, que nasceu em São Roque do Paraguaçu e sempre trabalhou com transportes.
O vaivém das pessoas no Rio Paraguaçu, entre o estaleiro e a comunidade, também atiçou o espírito empreendedor de Antônio Severino Santos, de 66 anos. Há um ano ele juntou o dinheiro de uma vida toda e comprou um barco por R$ 11,1 mil. Em apenas um dia, chegava a ganhar R$ 200 com as travessias de trabalhadores e visitantes. Agora consegue, no máximo, R$ 20 por dia. “Mas a gente sobrevive com o que tem. Se ganhamos R$ 1, gastamos R$ 1. Se ganhamos R$ 100, gastamos R$ 100.”
A história de João dos Santos Dias é ainda mais dramática. Ex-comerciante do ramo de supermercado e vestuário, decidiu apostar na área de hotelaria para capturar os ganhos que o estaleiro traria para a região. Começou com uma pousada: conforme o estaleiro crescia, ele ampliava o número de apartamentos. Chegou a ter 325 quartos, todos ocupados. A grande empreitada, no entanto, foi construir um clube de 19 mil metros quadrados, com 55 apartamentos, churrasqueira, duas piscinas, campo de futebol, estacionamento e área de eventos.
Tinha um pré-acordo com uma grande empresa para alugar os quartos para os funcionários, mas não deu tempo de inaugurar. O empreendimento está parado e a pousada fechada. Para diminuir o prejuízo, às vezes, ele abre o clube aos domingos para a população local e cobra R$ 10 por pessoa. “Ganhei muito dinheiro, mas gastei tudo em novos empreendimentos”, diz Santos Dias, empresário conhecido na região.
A mesma aposta fez o dono da Pousada Ponto Dez, que hoje tem 30 quartos disponíveis e, no máximo, quatro ocupados. A expansão do estabelecimento estava no meio do caminho quando a crise estourou. A construção do prédio, de quatro andares e 70 quartos, foi interrompida e os equipamentos guardados. Num quarto da pousada, que resiste ao escasso movimento de visitantes, foram armazenados todos os aparelhos de ar-condicionado. Até um elevador foi comprado e não tem onde ser colocado, conta um funcionário da pousada.
No empreendimento de Giodásio José Santos, os equipamentos chegaram e foram instalados. Mas ele também não teve tempo de inaugurar o restaurante, um sonho antigo da mulher Ivonete Antonia de Souza Santos. Durante três anos, os dois vendiam refeições para funcionários e visitantes do estaleiro. No início, a comida era servida na varanda da residência do casal. Em pouco tempo, o espaço ficou pequeno e foi necessário investir em um novo local para servir as refeições. O restaurante foi construído no fundo da praça da comunidade Enseada do Paraguaçu, pertencente a São Roque. Ali, durante meses, eles não davam conta de tanta demanda. “Servíamos 70 almoços por dia. De sexta-feira, até faltava comida para todo mundo”, lembra Santos.
Diante do sucesso do negócio e da promessa de que o estaleiro teria vida longa, Santos e Ivonete juntaram todas as economias que ganharam no restaurante e em empregos anteriores e ampliaram o estabelecimento. Mas quando a obra chegou ao fim, veio a notícia de paralisação do estaleiro. “Hoje vendo uma ou duas refeições por dia. Tudo que ganhamos reinvestimos no restaurante pensando que o projeto duraria uns 15, 20 anos. Agora, acumulo contas atrasadas. Foi muito bom enquanto durou.”