Games para todos os gostos

Modders personalizam conteúdo por hobby e fazem sucesso na internet

Caio Spechoto e Thales Schmidt

Você está em um mundo onde pode construir qualquer coisa. Basta cortar madeira e tirar da terra carvão, ouro, diamante. Sem nunca esquecer de erguer um abrigo seguro para quando a noite chegar - e os monstros saírem à sua caça. As possibilidades são quase infinitas, mas estão longe de satisfazer a criatividade de alguns jogadores, que chegam a personalizar games. Foi assim que Minecraft ganhou mais personagens, cenários diferentes e trilha sonora alternativa, ampliando o que já era o maior sucesso recente do setor. Nesse universo, os makers têm outro nome. São os modders, que dedicam seu tempo livre para modificar os jogos e depois compartilhar na internet.

Parte dessas alterações, ou mods, não teria existido sem a ajuda do alemão Michael Stoyke. Para ajudar modders como ele próprio, Stoyke criou em 2010 uma das melhores ferramentas para personalizar o game, o Minecraft Coder Pack. “No começo, era só um projeto divertido que eu fazia para mim mesmo e divulguei nos fóruns para ver se alguém se interessava”, conta. “Gastei centenas de horas atualizando o programa e ajudando quem tinha dúvidas com ele.” Hoje, sete modders levam o projeto adiante. Para Stoyke, o que era diversão acabou virando trabalho formal. Por causa do sucesso da ferramenta, ele foi contratado no ano passado pela desenvolvedora sueca Mojang, logo depois vendida para a Microsoft por US$ 2,5 bilhões.

João Carlos Prado, autor de um dos mapas para Counter-Strike de maior sucesso no início dos anos 2000 Crédito: Felipe Rau

Os mods foram fundamentais para a popularidade do Minecraft - um terço dos jogadores prefere o game com alguma modificação ao original, segundo a empresa. O jogo já ultrapassou a marca de 70 milhões de cópias, o terceiro mais vendido da história. O faturamento total da indústria dos games em 2015, de acordo a consultoria especializada Newzoo, deverá fechar em US$ 91 bilhões. O Brasil é o 11º mercado do mundo, com faturamento esperado de US$ 1,46 bilhão no ano.

As melhores modificações chamam a atenção das desenvolvedoras de games, que às vezes encontram novos funcionários entre os modders. Como ocorreu com Stoyke e o brasileiro Thiago Klafke, funcionário da Blizzard. Ele resume a motivação de quem faz modificações para jogos eletrônicos em uma palavra: “Paixão. Eu não me imagino fazendo outra coisa que não games, e o pessoal que trabalhava junto comigo também não”. Para quem gostaria de trabalhar com games, ele recomenda fazer mods para entrar no mercado. “Cheguei a montar um portfolio só com mods.”

Os mods começaram nos anos 1990. Alguns jogos como Doom e Duke Nukem, ambos de tiro, vinham com ferramentas para modificação de cenário mesmo para quem não soubesse programar. Não demorou para os executivos perceberem que os assistentes de modificação faziam sucesso e aumentavam o interesse pelo jogo. “Ninguém sabe se isso foi proposital desde o começo”, diz o professor do Centro Universitário Senac Reinaldo Ramos. Mesmo que não tenha sido planejado, as ferramentas foram adotadas pelos gamers.

A modificação que fez mais sucesso no Brasil foi criada por dois brasileiros e vem do começo dos anos 2000. É um novo cenário para o jogo de tiro Counter Strike - que é um mod do game Half Life. A dupla que transformou o jogo original em mod, Ming Lee e Jess Cliff, foi contratada pela Valve, a empresa norte-americana criadora do Half Life. O cenário, criado por Roger Sodré e João Carlos Prado, é uma favela com a Lagoa Rodrigo de Freitas e o Cristo Redentor ao fundo, além de um rádio tocando “A semente”, do sambista Bezerra da Silva. “Os mapas do jogo eram todos muito abertos, muito grandes. Resolvemos fazer uma coisa um pouco mais claustrofóbica e brasileira”, explica Sodré.

A invenção da dupla simula o sequestro de agentes da Organização das Nações Unidas e coloca duas equipes em disputa: uma deve resgatar os reféns e a outra deve manté-los no cativeiro. O novo cenário virou um fenômeno nas lan houses no País e foi além delas: “Cheguei até mesmo a ver gente vendendo o mapa em um CD na Santa Ifigênia”, conta Prado, referindo-se à rua de comércio popular de eletrônicos em São Paulo. Segundo a Newzoo, quase 50 milhões de brasileiros jogam games.