“Penso no movimento maker como um tipo de Renascença”, afirma Dale Dougherty

Responsável por popularizar o termo “maker”, o fundador da primeira revista especializada no assunto diz que o movimento representa novas maneiras de produzir objetos e conectá-los em rede

Humberto Abdo e Luciana Amaral

Dale Doutgherty, fundador da primeira revista sobre o movimento maker, Make: Crédito: Divulgação

Fundador da primeira publicação especializada em cultura maker, Dale Dougherty encara o movimento maker como uma grande revolução da criatividade e até mesmo como uma nova Renascença. Com tiragem mensal de 100 mil exemplares nos Estados Unidos e centenas de feiras de inventores organizadas em várias partes do mundo, desde que foi fundada, em 2005, a Make: conquistou fãs de tecnologia, educadores, cientistas e adeptos – amadores ou profissionais – do hábito de criar com as próprias mãos.

Desde então, a presença da internet colaborou para conectar projetos e boas ideias a um público cada vez maior e de todas as idades. “A vontade de criar existe em todos os seres humanos e ultrapassa qualquer talento”, reforça Dale, que enxerga as pessoas como a verdadeira estrutura do universo maker.

Como você descobriu o movimento maker?

Foi na época em que comecei a Make:, quando tive a ideia de criar uma revista sobre projetos tecnológicos. Ainda não tinha noção do movimento, só havia idealizado uma publicação que poderia ser útil para nossa geração. Na primeira edição, usei a palavra makers – algo como fazedores ou criadores – para me referir aos leitores, pois não eram apenas consumidores, e sim produtores, pessoas que criavam coisas com as próprias mãos.

Como você o definiria hoje?

O movimento já vem acontecendo há um bom tempo, apesar de alguns aspectos ainda serem novidade. De certa forma, o movimento maker é uma afirmação sobre o valor dos objetos físicos e representa novas maneiras de produzi-los e conectá-los em rede ou entre nós. Acho que a criação de eletrônicos mais baratos, plataformas como o arduíno e a fabricação digital com impressoras 3D ou máquinas CNC são exemplos disso. Isso poderia ser algo que existe apenas no mundo corporativo para usos específicos, mas se tornou popular, o tipo de coisa que amadores conseguem entender com facilidade para operar. Esse aspecto tem o poder de convidar muitas pessoas a participar do movimento.

Você se surpreendeu com esse crescimento?

Sim, me surpreendi ao ver como o movimento tem significado para as pessoas e ver que elas entendem sua importância, considerando que costuma ser difícil explicar o que maker significa.

Qual é a diferença entre o público maker de 2005 e os makers de hoje?

Sempre existiram pessoas que criam coisas por diferentes razões. É difícil quantificar essa parcela da população, sendo que cada um enxerga e valoriza essa atividade de forma distinta. Mas o movimento foi responsável por expor uma característica: alguns de nós não nos consideramos makers e nem todos fazem parte disso, embora muitos criem e compartilhem projetos sem saber que essa ação tem um nome e um movimento para identificá-la. Uma vez que essas pessoas descobrem o termo maker, elas então passam a se ver como tal e adquirir novas habilidades. Isso é uma das coisas que o movimento conseguiu favorecer, pois o aspecto social ultrapassa talentos e dons individuais.

Qual é o público da revista Make:

Boa parte da audiência de Make: é composta por entusiastas da tecnologia e fãs de videogames. Nunca a imaginei como uma revista de empresas e negócios, então ela acabou conquistando pessoas com diversos hobbies e gostos pessoais. Passados dez anos desde que começamos a publicá-la, o mais curioso foi perceber um interesse cada vez maior por parte de crianças e adolescentes.

Estudantes estão mais inclinados a fazer parte do movimento?

Espero que sim. Tenho notado muito interesse por parte das crianças, ainda mais porque atividades com o contexto de “faça você mesmo” e todo o estímulo de colocar a mão na massa têm se tornado cada vez mais incomuns nas escolas.

Chris Anderson, autor de Makers: A Nova Revolução Industrial, afirma que a ideia de compartilhar projetos na internet e o passo-a-passo para produzi-los faz parte de uma nova Revolução Industrial. O que você acha?

É uma maneira de enxergar as coisas. Não acho essa afirmação atraente, afinal a Revolução Industrial não foi uma transição positiva e benéfica para todas as pessoas. Ninguém encara a Revolução Industrial como algo criado voluntariamente. Ela se alinha a outros eventos culturais da mesma época, como a revolução científica. É preocupante porque a Revolução Industrial sugere que novos instrumentos sirvam para formar novos negócios e indústrias, mas a cultura maker é bem mais abrangente do que isso, ela emprega ferramentas para formar a sociedade e o futuro. Prefiro pensar no movimento maker como um tipo de Renascença e, particularmente, estou mais interessado na cultura da criatividade.

O que são makerspaces?

Um makerspace pode ser visto como uma combinação de oficina mecânica, estúdio de arte e laboratório de computação, mas é fundamental encará-lo como um espaço de trabalho, não um local para só passar o tempo. Podem ter impressoras 3D, cortadoras a laser, mesas de marcenaria, máquinas de costura. Muitos costumam ter computadores com programas de design, onde é possível projetar o modelo 3D de alguma peça para depois fabricar nas impressoras. Os frequentadores têm acesso às ferramentas e ao conhecimento de outros makers presentes. Porém, para algumas pessoas, como crianças, o makerspace poderia ser simplesmente uma sala vazia com jogos de tabuleiro, tesoura e outros materiais escolares. A presença de equipamentos às vezes se confunde com o processo de criação, mas máquinas modernas não resumem o objetivo de transformar ideias e inspirações em algo mais.

O que é necessário para que um grupo de pessoas ou uma instituição construam um bom makerspace?

É essencial ter alguém com a noção de como o espaço poderá ser útil para crianças e ajudar a comunidade que for frequentá-lo. Impressoras 3D são obviamente uma opção, mas também dá para investir em aparelhos emprestados ou de segunda mão. É mais relevante refletir sobre como será a organização do espaço utilizável e por quais meios as pessoas serão convidadas a frequentar o lugar. Esses detalhes são raramente discutidos, mas considero os mais importantes.

No caso das escolas, os espaços coletivos são normalmente preparados para que professores assumam o comando dos equipamentos e as crianças não tenham a sensação de fazer parte daquele ambiente. O oposto seria um local onde os estudantes pudessem experimentar, cooperar e tomar conta das coisas. Em um laboratório de química, isso quase nunca acontece, por exemplo. A diferença é que os makerspaces são criados primeiro para os alunos e suas necessidades, não para a faculdade.

Por que as impressoras 3D são normalmente associadas ao movimento maker?

Elas são apenas uma das muitas ferramentas disponíveis, mas parece haver uma admiração geral quando a assistimos operando, chega a ser hipnótico vê-la construindo um objeto. Para alguém que pensou e desenhou seu próprio projeto desde o início, é incrível ver uma máquina dar vida a ele, camada por camada. Esse efeito provoca a imaginação das pessoas, ao ver que podem inventar qualquer coisa e compartilhá-la.

Projetos feitos a partir do movimento maker poderão um dia se tornar grandes empresas mundiais, como o Google ou Facebook?

Tenho medo só de pensar... [risos] Muita gente faz parte disso hoje e ajuda a criar o que chamamos de cultura maker, colaborando para dar espaço às pessoas e deixá-las mostrar o que gostam de fazer. Tem funcionado como um ecossistema alimentado por comunidades espalhadas em diferentes locais. Minha torcida é para que o movimento maker continue assim.

Em quais países o movimento maker é mais conhecido e disseminado?

Eu diria que os Estados Unidos, a Itália e a China estão no topo nesse sentido, mas também tenho visto se espalhar em locais como Japão, Cingapura, França, Inglaterra e Alemanha. A América do Sul está claramente demorando para se envolver, o que me preocupa. Em breve teremos nossa primeira Maker Faire em São Paulo, e muitos pedem para planejarmos o evento em outras cidades, como Rio de Janeiro, então o interesse por tecnologia e compartilhamento já existe.

Por que a presença da cultura maker é tão popular especificamente na Itália?

Em outubro tivemos a Maker Faire Rome pelo quarto ano e mais de 100 mil pessoas estiveram lá. A impressão que tenho é de que os italianos sempre se consideraram makers. É parte da definição cultural deles e de quem eles sempre foram, seja ao produzir carros ou ao fabricar sapatos e outros objetos que requerem certo apuro visual. Se em algumas dessas áreas o orgulho nacional esteve enfraquecido nos últimos anos, o movimento trouxe essa sensação de volta. Todos nós nos orgulhamos de sermos makers, como país e sociedade.

O interesse pelo movimento faz parte de alguma mudança cultural da sociedade?

O conceito do maker é bastante pessoal. Hoje não precisamos necessariamente criar coisas cruciais para nossa sobrevivência, mas o ato de criar também envolve a satisfação que temos ao tirar uma ideia da nossa cabeça e expressá-la fisicamente, de forma que outros possam entender.

Quais áreas profissionais demonstram maior possibilidade de absorver os conceitos maker?

Acredito que todos os campos profissionais possam aprender com isso, mas especialmente design, engenharia, artes e ciências. Talvez o detalhe mais curioso do movimento maker não seja exatamente seu crescimento dentro desses campos, mas a capacidade que ele tem de integrar áreas distintas, misturando engenharia e atividades comuns ao profissional de design, por exemplo. É essa união que considero tão interessante.

Como você espera que a cultura maker cresça nos próximos anos?

Ainda acho que a cultura maker é algo difícil de se sustentar. Seria bom descobrirmos melhores caminhos para apoiar e disseminar o conceito dos makers e suas possíveis fases. O próximo passo é perguntar a nós mesmos: agora que temos o espaço e a estrutura, o que de mais substancial podemos criar? Promover oficinas e atividades em grupo pode ajudar nesse sentido, mas esse é nosso maior desafio. O movimento tem um potencial tremendo de transformar a educação como uma experiência para os jovens, encorajando-os a serem criativos e expressarem o que estão pensando. Minha vontade é que as pessoas vivam em um mundo no qual sintam que ajudaram a moldar, não um que lhes foi imposto.