Em queda, roubos de carros migram para a periferia

Especial revela mudanças no perfil deste crime nos últimos 10 anos na região metropolitana de São Paulo. para ler a reportagem ou para conferir a situação em um local de seu interesse

Levantamento feito pelo Estado em mais de 419 mil registros de roubos de carros na Grande São Paulo nos últimos dez anos mostra que esse crime migrou do centro expandido para as bordas da região metropolitana. É um problema que vem sendo reduzido desde 2014, mas que hoje ainda está em níveis maiores do que os do fim da década passada.

As mudanças de cenário

A animação mostra, ano a ano, como esses casos migraram. Após consecutivos aumentos, os números caem a partir de 2015

O mapa de 2008 mostra a concentração no centro expandido. Naquele ano, a Grande São Paulo tinha uma frota de 6,2 milhões de veículos, segundo dados do Denatran. Houve 30,3 mil roubos. A taxa foi de 487 casos a cada 100 mil veículos

Já em 2017, os casos se concentram nas bordas região metropolitana. Foram 38,4 mil casos, um aumento de 26,7% em relação a 2008. Entretanto, a frota da região aumentou 42,2%, para 8,8 milhões de veículos. Assim, a taxa de roubos caiu para 433 casos a cada 100 mil veículos

O aumento da frota foi maior nas cidades fora da capital, onde houve um salto de 65,7%. Na capital, o aumento foi de 31%. Paralelamente, segundo o governo e especialistas, a cidade de São Paulo passou a usar táticas mais efetivas para combater o roubo de carros, como o rastreamento de placas pelos radares de trânsito. A consequência foi uma redução dos roubos nas áreas centrais de São Paulo, mas um aumento do crime nas cidades vizinhas

Variação

Exemplo dessa migração é a zona oeste da capital. Em 2008, a delegacia que atende o bairro de Perdizes registrou 519 roubos de carros. A que atende Pinheiros, também área nobre do centro expandido, teve 347 registros

Em 2017, foram 186 casos em Perdizes e 213 em Pinheiros, números menores do que 10 anos atrás

A Lei dos Desmanches, que prevê prisão e uma série de sanções administrativas a comércios flagrados com peças roubadas, é apontada como uma das explicações para a queda

O professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Rafael Alcadipani lembra que eram comuns as encomendas feitas por quadrilhas mirando determinados veículos. “Eles falavam: ‘Estamos precisando de HB20 aqui.’ E os criminosos saíam às ruas para cumprir a encomenda, porque tinha essa demanda alta vinda dos desmanches.”

Por outro lado, há os locais em que o cenário piorou. A cidade de Ferraz de Vasconcelos, no leste da região metropolitana, teve 102 registros de roubo a veículo em 2008

Em 2017, foram 432 ocorrências. Os bairros da capital vizinhos à cidade e municípios adjacentes acompanharam a tendência

“As regiões periféricas ainda são próximas a desmanches, que estamos combatendo”, diz o delegado Walter Sergio de Abreu, diretor da Delegacia de Investigações de Roubos de Veículos de São Paulo (Divecar). “Falando em fraudes, os registros feitos para o golpe do seguro também são nessas regiões”, diz

“Nunca tinha sido roubado. Estava dentro do carro, conferindo documentos de uma cliente, quando um homem chegou, destravou a porta e, armado, nos mandou descer. Ele levou tudo: notebook, tablet, celular, documentos”, afirma o advogado Eugênio Gomes, vítima de um roubo em junho do ano passado na Rua Maria do Rosário, divisa de Ferraz e Poá. “Ali tem muito desmanche”, diz

As grandes concentrações

Em todos os anos do levantamento, há uma “mancha” na área sudeste da Grande São Paulo. Começa no bairro do Ipiranga e desce até a área de Interlagos, incluindo Aclimação e Vila Mariana, e se espalha até Santo André e São Bernardo, no ABC.

“Um indicativo que pode explicar a concentração de crimes em uma determinada região é a presença de quadrilhas organizadas. São essas informações que o governo deveria coletar”, diz o coronel da reserva da PM de São Paulo José Vicente da Silva Filho, consultor de segurança pública

Dentro desta “mancha”, há o município de Diadema, cidade com a maior taxa de roubos entre os municípios da região. Em 2008 já era de 1.072 casos para cada 100 mil veículos. No ano passado, foi de 1.305, três vezes a taxa da Grande São Paulo

“Eu sempre estacionei o carro naquele lugar. Era meu primeiro carro zero quilômetro, tinha tirado da concessionária. Estava saindo do carro quando um cara armado me rendeu. Só depois, na delegacia, me disseram que aquele pedaço era perigoso”, diz um homem, morador da cidade de Diadema, vítima de roubo em dezembro passado próximo da Avenida Cupecê, que pediu pra não ser identificado

A Avenida Cupecê, um dos acessos à cidade, teve 915 registros de roubo na década. É a quarta via em número de casos. As demais líderes do ranking, Avenida Sapopemba, Rodovia Raposo Tavares e Estrada do Alvarenga, são todas mais extensas.

As “ilhas de tranquilidade”

Por outro lado, há pequenos bairros que, ao longo da década, não tiveram registros de roubo de veículo, como o Jardim Campo Grande, na região de Interlagos, zona sul. Em comum, esses locais têm “fechamentos” planejados, como uma disposição de sentidos de ruas que impedem uma fuga

“Nossa entidade existe desde 1991, este é um bairro loteado pela Companhia City. A partir de 2012, com autorização da Prefeitura, instalamos as cancelas na entrada do bairro”, diz a presidente do Conselho de Segurança (Conseg) Campo Grande, Luiza Leifert

“Só tivemos um caso envolvendo carro. Um furto”, diz. “Mas instalamos as cancelas mais por causa dos ônibus que traziam fiéis para o santuário do padre Marcelo (Rossi, vizinho ao bairro)”

“As questões urbanísticas contam muito. Se uma pessoa rouba um carro, a primeira coisa que ela faz é fugir”, diz o delegado Walter Sergio de Abreu, diretor da Delegacia de Investigações de Roubos de Veículos de São Paulo (Divecar)

Essa vantagem urbanística vale também para regiões maiores. A cidade de São Caetano do Sul, encravada no meio da “mancha” do sudoeste, escapou da migração dos roubos da última década. Em 2008, houve registro de 622 casos

no ano passado, foram 258 roubos. A taxa caiu de 763 para 256 roubos por 100 mil automóveis no período

A evolução dos roubos nas cidades

Como se dividem as ocorrências entre as delegacias do centro expandido, do ABCD e das demais áreas da região metropolitana, em %

Em 2008, o centro expandido respondia por 15% do total de roubos da região metropolitana

Já em 2017, a participação caiu para 7%

Vendo isoladamente no gráfico os dados do centro expandido, é possível notar que essa queda tem início a partir de 2010

As cidades do ABCD – Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema – também apresentaram queda. Mas é uma redução de 2 pontos percentuais na década

Nos bairros da capital fora do centro expandido e nas demais cidades da Grande São Paulo, houve um aumento de 10% nos últimos 10 anos

Os carros mais roubados em 2016 e 2017 na Grande São Paulo, por modelo

  1. VOLKSWAGEN FOX 3.610
  2. FIAT PALIO 2.999
  3. HONDA FIT 2.646
  4. FIAT UNO 2.580
  5. HYUNDAI HB20 2.531
  6. CHEVROLET ONIX 2.403
  7. VOLKSWAGEN GOL 2.328
  8. FORD FIESTA 2.323
  9. RENAULT SANDERO 2.164
  10. CHEVROLET CELTA 2.094

Vítimas recorrentes

Além dos modelos mais visados pelos ladrões, ao longo da década houve 20,4 mil carros que foram roubados ao menos duas vezes. E há 83 veículos que, em 10 anos, foram roubados 5 vezes ou mais, mostrados no mapa.

Quase metade desses veículos é de automóveis de frete, como Fiat Fiorino e Renault Kangoo. “Esses casos, na verdade, são de roubos de carga em que o veículo é levado junto e abandonado depois”, diz o delegado Abreu, da Divecar

O dono de um dos carros mais roubados

“Eu comprei esse carro em novembro. Foi em um anúncio, o antigo dono falou que era o único dono. Ele mora em Cidade Dutra”, disse ao Estado, meio sem crer na história, o dono de um Ford Fiesta Prata, placas de São Paulo, roubado cinco vezes: Parque Jabaquara, Jardim Guanhembu II, Cidade Dutra, novamente no Parque Jabaquara e Vila Santa Catarina

“Ele me deu recibo de compra e venda, todos os dados. Acho muito estranho esse carro ter sido roubado cinco vezes”, disse o homem, um caseiro de 39 anos que pediu para não ser identificado. O último registro de roubo é de março de 2017. O primeiro, de dezembro de 2008

Variação nos períodos do dia

Ao longo dos últimos 10 anos, 60% dos registros de roubo de carros são de crimes ocorridos à noite ou durante a madrugada

Embora a manhã e a tarde respondam por 40% do total, os crimes registrados nesses períodos variaram durante a década.

Em 2008, apenas 36% dos roubos ocorriam com dia claro, ou seja, durante os períodos da manhã e da tarde

Já no ano passado, a porcentagem de crimes durante o dia cresceu e chegou a 41% dos casos

Apesar desses dados, o delegado Abreu, responsável pelo combate ao roubo de carros, faz ressalvas. “Se você me perguntar se há um período do dia em que há concentração, estaria sendo leviano. Eles podem ocorrer em qualquer hora do dia.”

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