Como a Polícia Federal acabou com os novos planos da quadrilha
A operação facção toupeira leva para a cadeia bandidos do Banco CentralClique aqui e assista ao vídeo completo.
Lucivaldo Laurindo estava com terra no rosto. Pela primeira vez em mais de um ano, a sujeira estava lhe incomodando. Envolvido nas escavações do túnel do furto ao Banco Central, estava acostumado a entrar em um buraco que não tinha mais de 70 centímetros de altura por 65 centímetros de largura. Sujar-se era inevitável. Mas dessa vez era diferente.
Com o rosto encostado no chão, Laurindo estava com as mãos para trás apertadas por um lacre plástico que fazia as vezes de algema. Nos olhos, uma venda, e ao seu lado, todos os comparsas enfileirados na mesma posição. O homem estava entre as 26 pessoas flagradas pela Polícia Federal no dia 1.º de setembro de 2006, durante a Operação Facção Toupeira. Havia se passado um ano e 25 dias do furto no Ceará e Torturado, como é conhecido Lucivaldo, estava participando de uma nova escavação. Dessa vez, porém, não conseguiu ver o dinheiro no fim do túnel.
A experiência bem sucedida em Fortaleza fez com que parte do grupo se tornasse obstinado por escavações criminosas. Nem o fato de serem milionários fez com que desistissem da rotina de uma vida bandida. Ao contrário, utilizaram o dinheiro para financiar ataques ainda mais ousados contra bancos na certeza de que, novamente, sairiam impunes.
Passado um ano do furto no Ceará, o trabalho da PF era cada vez mais difícil. Até então, apenas 10% do valor retirado ilegalmente do cofre do Banco Central havia sido recuperado e uma grande quantidade de integrantes da quadrilha permanecia à solta. Os investigadores justificavam as dificuldades dizendo que a principal prova do furto, as cédulas, era bastante volátil. Poderia ser gasta em qualquer esquina na compra de produtos de diversas naturezas.
Para piorar, as notas não eram seriadas, o que impedia a comprovação do envolvimento do portador do dinheiro, a não ser que houvessem outras provas que o ligassem ao caso. Esse era o cenário exposto em ofício confidencial enviado pelo delegado Antonio Celso dos Santos ao juiz Danilo Fontenelle Sampaio, que acompanhava a investigação na Justiça Federal do Ceará, autorizando interceptações telefônicas e prisões preventivas.
O delegado narrou no documento que havia sido necessário realizar uma mudança no rumo da apuração de forma a priorizar “uma investigação criteriosa e científica cujo foco principal passasse a ser a identificação e localização não só dos meliantes como também dos bens adquiridos com o proveito da infração”. Com foco em São Paulo, estado de origem dos ladrões mais “graduados” do bando, a equipe de Santos passou a rastrear os rumos da lavagem de dinheiro praticada pelo grupo, detectando imóveis e outros bens comprados pelos ladrões.
COMO O DINHEIRO FURTADO SE ESPALHOU
Polícia Federal recuperou R$ 12,523 milhões em bens após quatro anos de investigação
Ceará
35 automóveis (carros e caminhonetes)
1 veículo de carga (semi reboque)
8 motocicletas
14 casas e apartamentos
6 fazendas
1 terreno
2 TVs
2 Mini System
Além de: relógios (Swatch e Montblanc), joias, cordão de ouro 18kt, pulseiras de ouro branco, notebooks, gabinetes, discos rígidos, eletrodomésticos, aparelhos celulares, telescópio, ferramentas elétricas, eletrodomésticos, móveis e utensílios
O rastreamento de parte do bando permitiu que os agentes identificassem um padrão. No fim do primeiro semestre de 2006, eram frequentes as viagens de Raimundo Laurindo de Barbosa Neto, o Neto, irmão de Lucivaldo, entre Maceió, São Paulo e Porto Alegre. Jeovan Laurindo da Costa, o Boca de Lata, primo de Neto, fazia o mesmo trajeto acompanhado por Raimundo de Souza Pereira, o Piauí. O acompanhamento mais próximo realizado pela polícia permitiu que se confirmasse que novos planos de roubos estavam em andamento.
Galeria
Arraste para ver as fotos. Toque para ampliar
A vigilância feita pela PF era minuciosa. Imagens feitas pelos agentes obtidas pelo Estado mostram que os ladrões não notavam que eram seguidos de perto por federais. Chegadas e partidas em aeroportos do País eram devidamente documentadas em registros de câmeras de segurança. Nas ruas, os suspeitos tinham carros seguidos e, sem querer, entregavam endereços e ligações criminosas com outros membros da quadrilha, expondo o planejamento do que estava por vir.
Foi desse modo que os investigadores constataram que, em Maceió, uma residência foi comprada pelo bando na Rua Professor Guedes de Miranda, número 67, no bairro do Farol. A 100 metros dali ficava uma das maiores agências da Caixa Econômica Federal da capital alagoana. Era o alvo. Dessa vez, eles contavam com um atalho na escavação. Utilizariam parte de uma rede de águas pluviais para chegar embaixo da agência e furtá-la mais rapidamente.
Enquanto isso, em Porto Alegre, estava em andamento o plano mais ousado já desenhado pela quadrilha. Um prédio desativado do INSS, na esquina da Rua Caldas Júnior com a Avenida Mauá, havia sido comprado a um preço superior a R$ 4 milhões - dos quais R$ 1,2 mi já havia sido pago, valor financiado pelo roubo em Fortaleza. Da estrutura de sete andares, sairia um túnel para a agência central do Banrisul, com uma ramificação para a Caixa Econômica Federal, ambas localizadas a menos de 100 metros da base do bando. Seria um furto duplo com lucro inestimável.
Precauções foram tomadas pelo grupo de forma a tentar disfarçar o que se passava no interior do edíficio. A imagem que queriam passar é que ali estava ocorrendo uma reforma e, para isso, os criminosos contavam com uniformes compostos por macacões azuis e capacetes amarelos. Entulho era retirado esporadicamente, mas, com um grande espaço para trabalhar, a maior quantidade de terra acabou ficando no térreo do prédio, sem maiores preocupações.
Em agosto, veio de Maceió a confirmação da liderança da quadrilha de que a prioridade era o túnel no Rio Grande do Sul. A cidade nordestina passava por um período de intensas chuvas, o que havia obrigado a suspensão dos trabalhos até que a situação melhorasse. Com a escavação a todo gás em Porto Alegre, a necessidade de a polícia agir era iminente para evitar que as instituições financeiras fossem atacadas.
Em 15 de agosto de 2006, a PF apresentou à Justiça Federal o pedido de prisão preventiva de 56 pessoas listadas em uma representação que reunia 70 páginas de provas. A ação contra o Banco Central havia gerado ramificações em outros 10 estados e outros crimes estavam prestes a ocorrer, segundo sustentavam os policiais. Ali estava a oportunidade para capturar criminosos em flagrante.
Com o aval da Justiça concedido, a PF poderia não só prender os ladrões, como sequestrar bens e quebrar o sigilo bancário de parte dos investigados, requisições essas também aprovadas pelo judiciário. Faltava então decidir uma data para a ação, que deveria ser simultânea em todos pontos.
PF deflagrou operação facção toupeira em setembro de 2006. Foto: Divulgação
A deflagração da Operação Facção Toupeira não deveria ter ocorrido no dia 1.º de setembro. Com os mandados em mãos, a PF teve de ser organizar às pressas para atuar no principal alvo da investigação, o prédio em Porto Alegre. Em grampos, ouviram que policiais civis corruptos da cidade também haviam descoberto o plano da quadrilha e traçavam um esquema para atacar a base e extorquir os criminosos.
Nas primeiras horas da manhã do dia 1.º, viaturas da PF cercaram o prédio e desativaram a energia do local. Sem o sistema de resfriamento, os bandidos que trabalhavam no interior do túnel não suportaram o calor e a falta de ar e saíram debaixo da terra, dando de cara com os agentes que ostentavam fuzis na porta de entrada do edifício. Foram colocados no chão, vendados e algemados. Vinte e seis acabaram detidos na capital gaúcha, entre eles Lucivaldo, Jeovan e Raimundo Laurindo, e outros 10 em São Paulo.
A Operação Facção Toupeira resultou na maior quantidade de prisões de acusados ligados ao Banco Central, e a outros projetos de túneis, de uma só vez. O desmanche do bando foi apontado à época como uma das mais fortes reações ao crescimento de grupos ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC) no País, que desfrutava dos lucros do furto ao Banco Central e continuava planejando novas ações criminosas. Foi desmontada ali quase a totalidade da quadrilha que havia agido em Fortaleza. Eram poucas as peças da investigação que ainda não haviam sido rastreadas. Entre elas estavam Moisés e Alemão, dois dos líderes do bando.