Dos chapéus à TV, milhões de anúncios publicados no ‘Estado’ revelam a evolução da sociedade e do consumo
Deleite-se, leitor, com as imagens da galeria deste capítulo. Elas são um convite para uma viagem pela história dos anúncios impressos desde os tempos em que São Paulo não tinha luz nem asfalto. São retratos de cada época, carregados de informação sobre modos de vida e costumes.
Não importa o tamanho, e sim a mensagem. Mesmo as pequenas notas nas páginas de classificados, nome que se dava aos espaços para pequenos anunciantes, podem trazer grandes histórias. “Pede-se à pessoa que, por engano, levou do salão da Propagadora, na noite da instalação da Sociedade Typographica, um chapéu novo, tendo a copa mole e aba dura, com forro de cetim carmezim e com a marca da fábrica Bierrembach, o obséquio de o mandar entregar nesta typografia, pelo que desde já se confessa grato o seu proprietário.”
O anúncio de 1876, quando o Estadão tinha um ano de história, revela não só que o chapéu estava na moda, como também que a cidade tinha pessoas que confiavam umas nas outras, e que alguém que esquecia um chapéu podia ter esperança de tê-lo de volta. A cidade não tinha telefone e encontros podiam ser marcados pelo jornal.
A história da telefonia no Brasil, aliás, está registrada nos espaços comerciais desde o primeiro telefone ofertado em São Paulo, em 1878, por um representante do inventor Graham Bell. Ele se apresentava aos paulistas como “grande mágico” e oferecia duas inovações revolucionárias na época: o Telephono e os Tympanos elétricos.
Um anúncio de 1899 mostra uma máquina de matar formigas usada na agricultura de então. Funcionava com arsênico e enxofre. Era importada, pois o Brasil praticamente não tinha indústria.
Com o avanço das décadas, representantes de marcas internacionais passaram a conviver nas páginas comerciais com empresas locais. O império comercial do conde Francisco Matarazzo, que desembarcou no Brasil em 1890, tem praticamente todos os seus mais importantes lançamentos ao longo de mais de um século de existência anunciados no Estadão. Até o edital de falência, nos anos 1990, está nas páginas do jornal.
Os anúncios de espartilhos em 1900 e de Gelol em 1906, desenhados com pincel e nanquim, ou o do Ford 1924 retratado com gravura em metal são exemplos da evolução das artes gráficas na história da publicidade.
“O perfumador Vlan é o preferido para os folguedos carnavalescos. É o lança-perfume escolhido não só pela sua esmerada confecção como, especialmente, pelas suas finas e inebriantes essências. Não irrita a pele e não ofende a vista. Para reveillons, bailes, batalhas etc, somente Vlan, o perfumador da elite.”
Assim como o lança-perfume, o guaraná Tito-tico, “o refresco da petizada”, também ficou no passado. O Fusca, que ao lado aparece como “o carro valente capaz de enfrentar as piores estradas”, também teve todas as suas versões anunciadas, desde as primeiras unidades importadas na década de 1950 até sair definitivamente de linha em 1996.
Dos fonógrafos aos iPods, passando pelo gravador de fita cassete e pelo walkman, todos os aparelhos sonoros estão representados. Os anúncios contam ainda a história da televisão no Brasil.“Você já ouviu falar, agora vá ver televisão. Enfim você terá a oportunidade de ver uma TV em funcionamento regular!”
Nos anúncios de cinema, a história da indústria cinematográfica está retratada com exemplares históricos, como os anúncios de estreia de King Kong, em 1933, e ... E o vento levou, em 1940. O antigo Cine Rosário, que ficava no térreo do Martinelli, convidava os paulistanos em 1929 a conhecer “o mais luxuoso cinema no mais alto edifício da América do Sul”.
Muita coisa mudou ao longo de mais de 50 mil dias de veiculação de propaganda imobiliária em São Paulo. Nas primeiras décadas, há curiosos anúncios de chácaras com cachoeiras disponíveis em locais onde hoje estão bairros da área central da cidade.
Em 1929, um deles oferecia “vida de campo” no Jardim América e no Anhangabaú. O Pacaembu era anunciado como “a nova maravilha urbana” de São Paulo. “Inúmeras são as razões que aconselham a construção do lar próprio no Pacaembu”, dizia anúncio da Cia. City em 1938.
Além de mostrar a evolução do mercado imobiliário, os anúncios contam a história da colonização de importantes regiões do País. “Não há saúva nem outros parasitas nas plantações”, garantia publicidade da Companhia de Terras Norte do Paraná em 1936.
O primeiro arranha-céu de São Paulo começa a aparecer nas páginas do jornal no fim dos anos 1920. Por sua importância arquitetônica e ineditismo de engenharia, o Edifício Martinelli estrela não só anúncios imobiliários. Propaganda da Antarctica informava, por exemplo, que as garrafas de cerveja vendidas em 1935 (101.206.440) formariam, empilhadas, 11 prédios iguais a ele.
“Um monumento à grandeza da terra paulista. O Rockefeller Center de São Paulo”, dizia anúncio de lançamento do Edifício Copan, projetado por Oscar Niemeyer, publicado em maio de 1952 no Estado. Inaugurado em 1957, ele se tornaria um cartão-postal de São Paulo e marco na arquitetura moderna.
Alguns anúncios resgatam a memória de prédios que não existem mais, como o Edifício Mendes Caldeira, que ficava na Praça da Sé e foi demolido para dar lugar à principal estação do metrô paulista.
E há também anúncios que mostram como o contexto político influencia a arquitetura. Exemplares publicados em 1945, último ano da 2.ª Guerra Mundial, mostram edifícios em São Paulo cujo maior atrativo era um abrigo antiaéreo.