‘Estado’ cobre futebol desde o século 19

Todas as Copas tiveram espaço no jornal, assim como o Brasileiro e outros campeonatos importantes

Antero Greco

Desde que as primeiras bolas de capotão começaram a rolar por campinhos brasileiros, na parte final do século 19, o futebol teve espaço nas páginas do Estado. À medida que se tornava popular, o foot-ball, ou esporte bretão, conquistou cadeira cativa no jornal. O campeonato local e as atividades dos clubes paulistas, sobretudo, mereceram registros crescentes e metódicos, numa tradição que se mantém até hoje. Tente mexer nessa paixão pra ver como os leitores chiam... e com razão.

A seleção também esteve em primeiro plano já na origem. Há registros de todos os jogos da amarelinha – que nem sempre usou essa cor –, a começar da estreia, em 21 de julho de 1914, nas Laranjeiras. Na edição do dia seguinte, na página 9, na seção de “Sports” e logo abaixo das notícias de Turf, vem o relato dos 2 a 0 do time nacional sobre os profissionais do inglês Exeter, em excursão pelo País. Para tanto, “o concurso dos paulistas concorre para a victoria”. A referência era a Lagreca, Rubens Salles (o capitão), Friedenreich, Formiga, que defendiam equipes de cá e se juntaram aos colegas do Rio.

O cuidado com a seleção dura, portanto, mais de um século. O Estado cobriu todos os Mundiais, Sul-Americanos, Copas América e outros torneios em que estivesse a seleção brasileira principal. Nos dois primeiros títulos da antiga Jules Rimet, o jornal ainda era discreto e não trazia a notícia na capa. Com uma ressalva: no domingo, 29 de junho de 1958, avisava aos leitores que rodaria edição extra se o Brasil batesse a Suécia.

O caderno teria “a campanha do conjunto brasileiro, relato do jogo final, dados técnicos e amplo serviço fotográfico.” Dito e feito: depois dos 5 a 2, na tarde de domingo ia às bancas o suplemento festivo. O sucesso de público foi tão grande que virou encarte na terça-feira (não circulava às segundas). O bi, em 1962, foi relatado nas páginas internas, também na terça-feira.

Dali em diante, Copa foi assunto de primeira página e a cobertura contou com equipes robustas de enviados especiais. Em 20 de julho de 1966, na capa vinha com destaque a derrota para Portugal (3 a 1), com a eliminação no Mundial da Inglaterra. O tri, em 70 (“A Copa chega às 11”), a queda diante da Itália em 1982 (“Brasil, fim de um sonho”), o tetra em 94 foi manchete (“Brasil é tetracampeão”), o penta em 2002 teve tratamento exuberante, com foto enorme de Cafu com a taça (“O maior campeão do mundo”, fora outra edição extra). Os 7 a 1 para a Alemanha em 2014...

Dribles. À esquerda, com a camisa 10 do Santos, Pelé domina a bola no Mundial de Clubes de 1962; ao lado, Cafu levanta taça da Copa de 2002; à direita, Mirandinha quebra a perna em dividida em 1974

A seleção foi mote para editorial, e mais de uma vez. Certa ocasião, em 1992, era editor de Esportes e no meio da tarde de uma terça-feira de fevereiro fui chamado à sala do dr. Julio Mesquita Neto. Pensei: “Sobrou pra mim”. Alarme falso. O Brasil jogaria contra o Uruguai, em Montevidéu, e o chefe da delegação era notório bicheiro e presidente de clube carioca. O diretor do Estado só queria saber se a informação procedia. Ao ouvir o “sim”, agradeceu e disse que mandaria fazer “nota” a respeito. Não perdoou o deslize da CBF.

CBF que, anos antes, levara em consideração tendência detectada pelo jornal. Numa das versões iniciais da hoje tradicional pesquisa com jornalistas sobre os melhores do ano no esporte, Telê Santana havia sido escolhido como treinador mais eficiente. Na época, transformara a forma de o Palmeiras jogar, ao optar por estilo atrevido, moderno, mesmo sem astros. O auge veio com goleada de 4 a 1 sobre o Flamengo, no Maracanã, no Brasileiro. Aquele time caiu diante do Inter na final.

O resultado da enquete do Estado despertou o interesse de Giulite Coutinho por Telê. O dirigente, empossado havia pouco na Confederação Brasileira de Futebol, substituta da finada CBD, viu no Mestre mineiro o perfil ideal para resgatar a seleção. E, em entrevistas, admitiu que se influenciara em boa parte pela sondagem popular. Telê e rapazes proporcionaram alegria, até toparem com a Itália em Vigo.

‘O esporte levado a sério.’ Mais do que um slogan, uma vocação

Jornal já deu espaço a todas as modalidades, do tênis ao vôlei, do atletismo ao xadrez, do boxe ao automobilismo

Nas décadas de 1960 e 1970, o Estado tinha um slogan: “O esporte levado a sério”. Mais do que frase de efeito, era profissão de fé. Desde o surgimento, o jornal teve vocação para acompanhar manifestações esportivas nacionais ou nas quais houvesse brasileiros.

No início, e por mais de um século, o turfe teve presença marcante, com acompanhamento diário das provas nos prados de São Paulo e Rio, principalmente. Aos cavalinhos se juntaram, em seguida, tênis, basquete, futebol, remo, vôlei, esgrima e uma série de modalidades. O xadrez marcou época com coluna bissemanal, na qual, além de noticiário, havia jogadas a ser resolvidas. Pan-Americanos, Jogos Olímpicos e Universitários, Jogos Abertos do Interior, Macabíadas, Mac-Med (desafio entre alunos da Engenharia do Mackenzie e da Medicina da USP) enriqueceram o cardápio oferecido aos leitores.

Flagrantes. No alto, Maurren Maggi salta para conquistar o ouro na Olimpíada de Pequim, em 2008; ao lado, Ayrton Senna comemora vitória no GP Brasil em 1993 e Bernardinho, técnico de vôlei, desespera-se durante jogo em 2008; acima, a tenista Maria Esther Bueno em 1959

O cuidado com a linguagem justificava o lema. Um texto da seção de Esportes deveria ter elegância, precisão e clareza idênticas às de setores nobres do jornal, como Política, Economia e Internacional. Nos primeiros decênios do século 20, grafava-se goal, o popularíssimo gol de hoje em dia. Com o tempo, houve virada para “ponto”, que varou algumas gerações.

Portanto, os quadros (não os times nem equipes) oponentes consignavam pontos durante as pelejas que galhardamente disputavam. As bolas eram atiradas em direção ao arco, guarnecidos por goalkeepers garbosos. Iam a estádios e ginásios aficionados (não torcedores), que se regalavam com as reuniões esportivas.

O Estado também se referia ao quadro de cestobol, sempre que se referia a equipe de basquete. Com garbo, noticiou o recorde olímpico e mundial no salto triplo, obtido por Adhemar Ferreira da Silva, na Olimpíada de Helsinque, em 1952.

O feito foi registrado na rubrica “Vida Esportiva”, nas páginas internas, em 27 de julho daquele ano. A foto do salto brilhante chegou tarde à redação, porque o avião que a trazia atrasou e pousou fora de São Paulo. Com isso, só pegou parte da edição. Como a proeza era histórica, repetiu-se a foto do “atleta ímpar” no dia seguinte, deferência também para o público.

Os apreciadores de atletismo acompanharam os saltos de João do Pulo, que no Pan do México, em 1975, estabeleceu a marca incrível de 17m89 no triplo. E o ouro olímpico de Joaquim Cruz nos 800m em Los Angeles/1984. Ou ainda a conquista de Maurren Maggi no salto em Pequim.

O Estado apostou no talento de atletas e contribuiu para o sucesso deles. Maria Esther Bueno, a maior tenista brasileira de todos os tempos, tricampeã em Wimbledon (1959, 1960, 1964), tetra do US Open (1959, 1963, 1964, 1966), teve excursões patrocinadas pelo jornal. A trajetória de Gustavo Kuerten, o fenômeno do tênis masculino, tricampeão de Roland Garros (1997, 2000, 2001), foi seguida de perto, com coberturas in loco.

Da F-1 ao vôlei. O automobilismo também mereceu olhar diferenciado. A tradição de cobrir GPs de Fórmula 1 vem dos anos 1950, com as vitórias do argentino Juan Manoel Fangio e a presença do brasileiro Chico Landi. Expandiu-se nos anos 1970, com os títulos de Emerson Fittipaldi (1972 e 1974). Enviados especiais cobriram os feitos dos tricampeões Nelson Piquet (1981, 1983, 1987) e Ayrton Senna (1988, 1990, 1991), cuja morte, em 1.º de maio de 1994, foi manchete.

As lutas épicas de Éder Jofre, o Galinho de Ouro, na fervilhante década de 1960, foram narradas em detalhes, como tantas noitadas de boxe no Ibirapuera ou no Ginásio Baby Barioni. As cestas certeiras de Vlamir Marques, Amaury e outros mágicos bicampeões mundiais de basquete, em 1959 e 1963, estão nas páginas do Estado. Assim como o ouro masculino no Pan de Indianápolis, em 1987, com vitória na final sobre os Estados Unidos. Ou as diabruras de Hortência e Paula, no Pan de Havana, em 1991, com vitória sobre Cuba na decisão do primeiro lugar.

O jornal viu crescer o vôlei e acompanhou seleções brasileiras em Jogos Olímpicos – com gerações formidáveis de craques e técnicos vencedores como Bernardinho (ouro masculino em 1994) e José Roberto Guimarães (ouro masculino em 1982 e ouro feminino em 2008 e 2012). Fatos tão expressivos quanto os ouros de Torben Grael e Robert Scheidt na vela. O Estado leva o esporte a sério.

É JORNALISTA DO ‘ESTADO’