Por que se preocupar com a reforma da Previdência
Entenda quais são os problemas do sistema previdenciário brasileiro e por que o governo Temer precisa mexer na sua aposentadoria
Debate: Existe um rombo na Previdência?
1.As contribuições que não entram na conta tornariam o saldo positivo?
Um dos principais argumentos que especialistas usam para indicar que a Previdência é superavitária é o de que na conta do governo não são consideradas as chamadas “contribuições sociais” (Cofins, CSLL e PIS/Pasep), que fazem parte do orçamento da Seguridade Social. Com a Desvinculação de Receitas da União (DRU) — mecanismo que permite ao governo federal usar livremente 20% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas — o uso das contribuições sociais é expandido também para outras áreas. No entanto, o que outros especialistas explicam é que a Seguridade reúne Previdência, Saúde e Assistência. Portanto, mesmo que esses recursos não fossem enviados para outras áreas, eles não poderiam ser destinados integralmente para as pensões e aposentadorias. Senão, as outras duas áreas que compõem a Seguridade ficariam desfalcadas.
O que dizem os especialistas:
“O governo faz um cálculo baseado apenas na receita sobre a folha de pagamento de salários e de outros contribuintes do INSS, o que está errado, porque existem outras contribuições sociais para entrar nessa conta. Então, um dos motivos que explica o déficit é justamente não incluir todas as fontes da Receita da Seguridade Social — como a Cofins, CSLL, PIS/Pasep. Com isso, ele desobedece o raciocínio dos artigos 194 e 195 da Constituição Federal. Por outro lado, o governo eleva artificialmente as despesas, ao incluir o gasto com aposentadorias dos militares e dos servidores públicos, que possuem um regime próprio e não fazem parte do orçamento da Seguridade Social. Além disso, a DRU ajuda nessa redução das receitas.”
“A Seguridade Social é composta por três subsistemas: Previdência, saúde e assistência. Alguns economistas acham que a receita da seguridade precisa ser jogada para a Previdência, mas ela tem recursos especificamente destinadas a ela. Se jogarmos tudo na Previdência, falta na saúde, e aí o rombo só muda de lugar. Há o argumento de que, como tem a DRU, isso subtrai recursos do orçamento e se esse dinheiro fosse colocado lá, não haveria déficit. E isso não é verdade, porque o recurso não é “desviado da seguridade”, ele deixa de ser carimbado. Quando há aumento da despesa previdenciária, as pessoas são pagas, ou seja, esse dinheiro volta pra lá. Além disso, mesmo considerando essa metodologia pouco rigorosa, os resultados de 2016 mostram-se negativos. Ou seja, não há mais como negar a existência de déficit na Previdência. E repito, mesmo com a metodologia canhestra que alguns poucos utilizam.”
2.Qual o peso das isenções e desonerações fiscais nesta conta?
As isenções e desonerações fiscais são ações do governo para aumentar a geração de emprego e estimular a competitividade entre as empresas. Elas consistem em isentar ou diminuir os impostos pagos por uma companhia. Porém, essa renda que deixa de ser arrecadada seria destinada à Previdência, portanto, esses incentivos acabam contribuindo para o déficit. Com as isenções, em 2016, o Regime Geral de Previdência Social deixou de arrecadar R$ 43,4 bilhões, o que representa 28,9% do déficit registrado no ano. Em 2015, o governo federal abriu mão de R$ 40 bilhões — 46,62% do rombo de R$ 85,8 bilhões registrado naquele ano.
O que dizem os especialistas:
“O governo desconsidera o patamar de desonerações tributárias concedidas ao setor privado. O gasto cresce e o governo ignora que sua política de renúncia, em patamares elevadíssimos de receitas de contribuições sociais, prejudica o equilíbrio fiscal do sistema previdenciário. Ele propõe uma reforma da Previdência pelo lado da redução do gasto sem considerar a possibilidade de rever suas políticas que prejudicam a receita do sistema. Fora o problema da gestão ineficiente da elevada sonegação, já que há empresas que descontam a arrecadação do funcionário e não transferem esse valor para a Previdência.”
“De fato, a desoneração fiscal não é uma boa política. Acho que o governo tem de combater, acabar com elas. Entretanto, as desonerações não são responsáveis pelo desequilíbrio estrutural da Previdência. Elas apenas e contingencialmente aumentam ligeiramente o desequilíbrio.”
3.Os trabalhadores rurais são os responsáveis pelo déficit da Previdência?
Como geralmente começam a trabalhar mais cedo que os demais, durante mais horas por dia e, eventualmente, sem descanso semanal e renda fixa, os trabalhadores rurais se enquadram em uma aposentadoria especial: conseguem o benefício mais cedo e não são obrigados a contribuir. No entanto, o que muitas pessoas não sabem é que 2,1% da comercialização da produção desses trabalhadores são descontados no momento da venda de seus produtos e destinados à Previdência. Ou seja: existe uma contribuição compulsória. Pelo fato de não contribuírem com um valor fixo, desde 2009 a Previdência rural era responsável pelo déficit total, já que arrecadação urbana era superavitária. Em 2016, no entanto, como resultado da crise econômica, a Previdência urbana voltou a apresentar déficit, o que alguns especialistas acreditam que seja uma tendência também para os próximos anos.
Saldo da Previdência
Fonte: IBGE
O que dizem os especialistas:
“As receitas de Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) são suficientes para cobrir os gastos com as aposentadorias rurais e foram criadas com esse objetivo, de proporcionar uma aposentadoria não contributiva equivalente à dos trabalhadores urbanos. Porém, parte importante dessas duas contribuições são destinadas a outras áreas por causa da Desvinculação de Receitas da União.”
“Todos deveriam cumprir as mesmas regras. Boa parte dos trabalhadores rurais trabalham com carteira assinada na área rural de cidades bastante desenvolvidas. Inclusive, muitos deles moram nos centros urbanos. Há, sim, um problema rural concentrado no Norte e Nordeste, mas eles podem receber benefício especial, se for o caso. Só não pode ser uma contribuição avulsa como é hoje e, sobretudo, os critérios de aposentadoria rural não devem ser tão flexíveis como são atualmente.”
4.O crescimento menos acelerado da população e o aumento da expectativa de vida contribuem para um possível rombo?
Mesmo que um país não tenha um rombo nas contas da Previdência, os fatores demográficos são fundamentais para que um governo analise a necessidade de eventuais reformas. No caso do Brasil, a tendência é de que a população “envelheça”. Isso acontece quando as mulheres passam a ter menos filhos e a população começa a viver mais. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2024 deve ser encerrada essa fase de “bônus demográfico” do Brasil.
Expectativa de vida, em anos
Fonte: IBGE
Taxa de fecundidade, em número de filhos por mulher
Fonte: IBGE
As últimas projeções populacionais do instituto, feitas em 2013, mostram que o número de pessoas com 60 anos ou mais vai saltar de 22 milhões (10% da população) para:
Projeções da população brasileira
Fonte: IBGE
O que dizem os especialistas:
“O governo usa a Pnad de 2014 nas projeções populacionais de seu modelo atuarial. Mas, quando se compara a Pnad com a projeção do IBGE, no ano de 2014 a Pnad superestimou a população de idosos em 7 milhões. Essa sobrecobertura vai se acumulando ao longo do tempo até que, em 2060, supostamente haveria uma explosão do gasto com aposentadorias. Para completar, o governo utiliza nas suas projeções um porcentual de correção do salário mínimo real acima do crescimento real do PIB, o que também não corresponde à realidade. Como mais de 60% das aposentadorias equivalem, hoje, a um salário mínimo, o gasto cresce até chegar a 17% do PIB em 2060. As reformas feitas na Europa elevaram a idade de aposentadoria para 65 e 66 anos progressivamente em uma sociedade que vem envelhecendo desde os anos 1980. Nós faremos a elevação da idade e do tempo de contribuição de uma tacada só sem a população ter começado a envelhecer.”
“Mesmo hoje a Previdência já tem uma arrecadação insuficiente. Não enfrentar essa questão seria fazer uma ‘mágica contábil’.”
Próximos passos da reforma
A nova proposta de reformada Previdência do governo (veja os vídeos abaixo), apresentada pelo relator Arthur Oliveira Maia (PPS-BA), tem uma dura jornada no Congresso até ser aprovada. Depois da votação dos destaques da Comissão Especial, a proposta de emenda à Constituição (PEC) segue para o plenário da Câmara, onde precisa da aprovação de três quintos dos 513 deputados (308 votos favoráveis) em dois turnos de votação.
Após passar pela Câmara dos Deputados, o projeto será enviado para a Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Da CCJ, irá para o plenário do Senado, onde também terá de passar por dois turnos de votação. Se for modificado, o texto volta para a Câmara. Caso contrário, seguirá para a sanção do presidente Michel Temer.
Vídeos
Políticos vão se aposentar com idade mínima e teto do INSS
Confira as tabelas completas da transição e outras regras da proposta
Como é a aposentadoria em outros países
Argentina. A idade mínima para se aposentar é de 65 anos para homens e 60 para mulheres, com pelo menos 30 de contribuição. O valor é definido pela média de contribuições dos últimos dez anos. Porém, os trabalhadores que optarem — ou só conseguirem — se aposentar aos 70 anos ou mais podem contabilizar apenas dez anos de contribuição. Os idosos de baixa renda com mais de 70 anos têm um benefício assistencial do governo.
Chile. O modelo de aposentadoria do Chile foi criado durante o governo do ditador Augusto Pinochet, nos anos de 1980. Conhecido como uma “privatização da aposentadoria”, o sistema impõe que os trabalhadores chilenos contribuam para uma Previdência privada. Atualmente, 10% dos salários são automaticamente descontados e enviados a contas individuais administradas por empresas particulares, mas os contribuintes são incentivados a investir, voluntariamente, um valor maior para a mesma ou outra administradora. Aqueles que não conseguirem pagar recebem um valor mínimo dado pelo governo.
Estados Unidos. O benefício pago pelo governo é calculado por meio de uma fórmula progressiva. A idade para a aposentadoria é de 66 anos, mas está sendo aumentada gradualmente para 67 anos. Quem quiser se aposentar mais cedo, aos 62 anos, tem o direito, porém o benefício é reduzido. No país, a contribuição mínima exigida é de dez anos. Lá, os idosos de baixa renda recebem um benefício adicional do governo.
Canadá. Assim como o Brasil, o Canadá adota um teto para o benefício pago. O sistema de Previdência do país exige idade mínima de 65 anos, que será aumentada para 67 entre 2023 e 2029, segundo dados da Fipe. Da mesma forma que nos Estados Unidos, os trabalhadores têm o direito de se aposentar antes da idade mínima — neste caso, aos 60 anos —, mas recebem o benefício reduzido. Por outro lado, quem se aposenta mais tarde recebe um abono de permanência chamado Old Age Security. O tempo de contribuição é de 35 anos.
Alemanha. Na Alemanha o benefício é pago com base no salário do trabalhador. Se o valor calculado não atingir um porcentual mínimo da remuneração do contribuinte na ativa, ele pode solicitar um benefício assistencial adicional. No país, a idade mínima para se aposentar é 65 anos, mas está sendo aumentada gradualmente para 67 anos.
Grécia. Desde 2015, como uma das exigências da União Europeia para o pacote de ajuda fiscal, a idade para aposentadoria na Grécia, mergulhada na crise econômica, subiu para 67 anos aos trabalhadores com menos de 15 anos de contribuição. Já aqueles que completam 40 anos contribuindo podem se aposentar aos 62 anos com benefício integral.
Holanda. O custeio do sistema previdenciário da Holanda é recolhido de três fontes: uma parte é financiada por impostos recolhidos de maneira compulsória; a outra é pelo pagamento de contribuições, tanto dos trabalhadores como das empresas; e a última parte é formada por reservas individuais, que o cidadão pode escolher se quer fazer ou não. Embora não seja obrigatória, 91% dos trabalhadores participam de Fundos de Pensão. Desde 2014, um benefício básico é pago a todos os cidadãos com mais de 65 anos. Essa idade está sendo gradualmente aumentada para 67 anos.
Suíça. Assim como na Holanda, o modelo tem três pilares: o público, formado pela contribuição dos trabalhadores; uma poupança individual obrigatória, que cada cidadão faz de acordo com a sua disponibilidade financeira e sua necessidade; e as Previdências privadas opcionais. Para os dois primeiros pilares, a idade mínima de aposentadoria é de 65 anos para homens e 64 para mulheres. O benefício integral é pago se houver contribuição durante 44 anos para os homens e 43 para as mulheres.
Japão. No Japão, campeão da longevidade, o Regime de Previdência paga um benefício assistencial mínimo, além do benefício contributivo. A aposentadoria por idade é paga a partir dos 65 anos de idade e 25 de contribuição. Já o benefício integral é conquistado a partir de 40 anos de contribuição.
África do Sul. Não há obrigatoriedade de contribuição: cada trabalhador o faz espontaneamente. Assim, muitos cidadãos são beneficiados sem nunca terem contribuído. Segundo o relatório da Associação Internacional da Seguridade Social (AISS), os pagamentos são de caráter assistencial para pessoas acima de 60 anos e voltados para quem tem renda abaixo de 47,4 mil rands (solteiros) e 94,8 mil rands (casados). Quem tem mais de 75 anos recebe mais.
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Minuto: Como funciona a Previdência
Minuto: Previdência para mulheres