O deputado constrói nas redes sociais e em viagens pelo Brasil o caminho para sua candidatura à Presidência da República em 2018 e ganha a cada dia milhares de seguidores na internet
Um fantasma ronda o Palácio do Planalto. Esguio e de sorriso fácil entremeado pelo cenho franzido no qual desponta um olhar desconfiado, Jair Bolsonaro é um homem de passos largos e - completam seus adversários - "ideias estreitas". Está em seu sétimo mandato parlamentar e, pelo ritmo de novos adeptos que conquista no Facebook - de 3 a 7 mil em média um dia após o outro -, cada vez mais se aproxima da campanha presidencial de 2018 como o principal candidato da extrema-direita.
As mídias sociais são hoje o maior motor do fazer político desse homem, apesar de seus assessores afirmarem que não se deve dar tanta importância às redes - como Facebook, Twitter, Instagram ou o Youtube -, mas à "essência do homem". Para seus adversários - que Bolsonaro denomina genericamente como "a esquerda", na qual inclui PT, PCdoB, PSOL e até a Rede -, em 2018 o capitão reformado do Exército "representará para a extrema-direita ultrarreacionária e saudosista da ditadura militar a oportunidade de sair do armário (palavras do deputado Chico Alencar, do PSOL do Rio)".
"Com sua forma bruta e tosca, ele agrada os desencantados com a política. Ele é uma expressão da antipolítica", afirma Alencar, um dos dois únicos parlamentares da esquerda com quem Bolsonaro admitiu conseguir conversar - o outro era Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Com 11% nas intenções de voto para presidente da República segundo pesquisa CNT/MDA, divulgada em fevereiro, o deputado estava empatado em segundo lugar com Marina Silva (Rede) e Aécio Neves (PSDB).
As polêmicas nas redes sociais, onde combate “o politicamente correto”, fizeram o deputado passar a falar para fora de seus clientes tradicionais - famílias de militares das Forças Armadas e das Polícias Militares. Bolsonaro deixou de ser apenas um capitão reformado do Exército para se tornar também o arquétipo do tio conservador que toda família do interior do País abriga. Quer ordem na escola, quer ordem na família, quer ordem, enfim. “Há excesso de direitos no Brasil”, diz.
Ele é para o professor de Ciência Política José Álvaro Moisés, da USP, expressão de um fenômeno popular que tem um componente de crítica às instituições e aos políticos, relacionada à crise de representação no País e à rejeição a temas identitários e de direitos humanos, que teve um "alento internacional por causa da eleição do Trump, do Brexit". "É uma crise das elites em um certo sentido. As elites tradicionais perderam a capacidade de mobilizar a sociedade."
Bolsonaro tem 1,85 metro de altura e é um homem sorridente. Acompanhá-lo nos 400 metros que separam a porta de seu gabinete até o plenário da Câmara dos Deputados ou em seus passeios no entorno - ali ao lado, do outro lado da rua, está o Palácio do Planalto - é se transformar em testemunha de sua popularidade. "Presidente, adorei seu vídeo sobre Enem", disse um de seus fãs. No post, Bolsonaro desafia os ex-presidentes Lula e Dilma a fazer com ele a prova do Enem.
Durante uma hora, a reportagem contou 61 pedidos de selfies - todos atendidos pelo capitão - e 12 de gravações de mensagens distribuídas pelo WhatsApp ou publicadas em páginas do Facebook. Eram 16h40 de 22 de março quando Bolsonaro foi reconhecido por um grupo de militares do Batalhão de Guardas da Presidência da República. "Capitão, uma foto." E sete deles se uniram ao parlamentar e ao seu filho, o também deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP).
Outro que posou ao lado de Bolsonaro foi o técnico do time de basquete da Francana, Hélio Rubens Garcia Filho, o Helinho. Horas mais tarde, longe do Salão Verde da Câmara, Helinho diria, no hall do hotel em que estava hospedado em Brasília, que tirara a foto só por curiosidade. "Sei que ele tem ideias fortes, mas quem mais me impressiona hoje na política é o Doria (João Doria Junior, prefeito de São Paulo)." Qual então o tamanho real do eleitorado de Bolsonaro? O professor Moisés diz que 12 a 13% do total de eleitores pensam como o deputado. “É isso que as pesquisas historicamente mostram.”
Facebook. Recebido em aeroportos do País centenas de pessoas aos gritos de "mito", “mito”, Bolsonaro leva nas viagens sua equipe de assessores que cuida de suas redes sociais. Entre 1º de fevereiro e 20 de março, seus posts no Facebook haviam gerado 1.038.672 compartilhamentos, o que indica como ele capilariza suas ideias e sua imagem.
E nenhuma idéia lhe é mais cara do que os ataques à distribuição nas escolas do que ele chama de "kit gay", o material anti-homofobia preparado pela ONG Pathfinder para o Ministério da Educação durante a gestão de Fernando Haddad (PT), ainda no primeiro governo de Dilma Rousseff (PT). Seu post "Livros do PT" alcançou 38,4 milhões de pessoas e o vídeo que ele trazia foi assistido por 8,2 milhões. Mais de 283 mil pessoas compartilharam a publicação feita em 10 de janeiro de 2016, um recorde para o deputado. "Para o PT, brevemente a pedofilia deixará de ser crime. O que vale mais: o Bolsa Família ou a dignidade de seu filho", perguntava Bolsonaro. "O kit gay foi uma catapulta na minha carreira política", reconhece.
A gestão de Haddad informou (leia aqui a íntegra da nota) que "o chamado 'kit gay' nada mais era do que material técnico para formação de professores, com o objetivo de habilitá-los a cuidar de questões de diversidade que eventualmente surgissem em sala de aula". Haddad ocupa um espaço especial no gabinete do deputado em Brasília. Bolsonaro pendurou na sua porta a foto do petista durante o aperto de mão de Lula com deputado federal Paulo Maluf (PP), em 2012. Em um cartaz, o capitão reformado acusa o ex-ministro de ser o responsável de "kit".
"Vários homens do tipo do Bolsonaro têm fixação por mim", disse Haddad. Segundo ele, a bancada evangélica, liderada pelo então deputado federal Anthony Garotinho (PR-RJ), foi quem fez toda confusão. "Esse material não havia sido entregue e nem seria." Sobre o fenômeno Bolsonaro, o petista conclui: "O Brasil está em busca de um estadista e não de um palhaço".
A porta do gabinete de Bolsonaro pode ser identificada à distância no anexo 3 da Câmara dos Deputados. É que durante o dia todo ali se aglomeram jovens, curiosos e políticos do interior do País que tentam um foto ou um vídeo ao lado "presidente". Assim foi com o vereador Clayton Silva (PSC), de Limeira, que não desgrudou do pé do deputado durante uma tarde inteira. "Tenho um projeto na minha cidade igual ao do deputado sobre o Escola Sem Partido (movimento que diz combater a doutrinação de professores esquerdistas)."
“O Brasil está em busca de um estadista e não de um palhaço
“As elites tradicionais perderam a capacidade de mobilizar a sociedade. É nesse vácuo que se cria massas disponíveis que podem votar branco ou em alguém que radicalize e se mostre como alternativa a essa situação
“Tenho um projeto na minha cidade igual ao do deputado
Bolsonaro volta a sorrir. Sua equipe de assessores de comunicação - que ele divide com o filho Eduardo - tem três homens e uma mulher, que cuidam da imagem do deputado nas redes. Floriano Amorim chegou em 2015. Eduardo Guimarães está ali desde 2005. Os dois gabinetes têm ainda como assessores um coronel do Exército, um major da PM, um capitão do Exército e um subtenente da Marinha. Ney Oliveira Müller é o coronel e colega de turma de Bolsonaro que há dois anos orienta o amigo. "Eu ouço muito", diz Bolsonaro.
Brigas. Todos no gabinete sabem que só o deputado pode comentar os posts em seu facebook. Ali, o deputado agradece o apoio de seus seguidores. Mas também briga. Bolsonaro briga até com seus seguidores. No dia 2 de março, um deles, que se identificou como Eric Julião, perguntou ao deputado: “Por que o senhor votou contra o pacote anticorrupção?". Resposta de Bolsonaro: "Você é a prova viva dessa matéria. Parabéns, só falta o DIPROMA". "Isso aí é fake ou é um mortadela contratado que tem cérebro de ovo cozido", explica Bolsonaro.
Outro dia, conta o deputado, uma pessoa entrou em seu perfil e escreveu: “Deputado, esse seu projeto é uma bosta.". "Eu falei: 'Muito obrigado, tem a sua cara'." Quando não é o capitão, são os seus seguidores que se encarregam de descer a lenha em quem o questiona. No dia 8 de março, a seguidora Marlene Guterres reclamou que o parlamentar nada havia feito até então pelos ex-combatentes do Brasil e afirmou que até hoje eles não receberam o dinheiro a que teriam direito. "Qual dinheiro? Muitos ex-combatentes são vítimas de falsos direitos", escreveu o deputado. Foi a senha. Um outra seguidora, que usava o nome Joliane Aurigliete escreveu: "Qual dinheiro? Tá maluca? Faz outro face pra você, porque esse você avacalhou. Deve ser petista."
Para o deputado, esses seguidores são todos provocadores, petistas disfarçados. "Vou confessar para você: eu começo votando os projetos aqui vendo quem é o autor, o partido do autor." Se é de petista, ele é contra. O que parece ser teatro do deputado se dissipa em uma volta na Câmara. No dia da votação do projeto sobre a terceirização da mão de obra das empresas, Bolsonaro - que se absteve - chegou atrasado ao plenário. Havia um cadeira vaga logo na entrada. Ele começou a tentar digitar ao voto quando olhou para o lado. Ali estava sentado o deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Bolsonaro teve uma reação reflexa, dessas que um médico desperta quando bate no joelho de um paciente. O capitão saltou de lado e, de imediato, pulou para a fileira adiante das cadeiras, na qual o capitão pôde registrar seu voto sem nenhum petista por perto.
Ao voltar para o gabinete, o deputado sentou descontraído em frente a um dos computadores. Contou que nunca atirou em ninguém em sua vida, embora durma com uma arma ao lado da cama - ele tem duas, uma pistola calibre 380 e uma pistola calibre 40. Armas e anticomunismo - e antipetismo - são temas recorrentes de Bolsonaro em suas redes sociais.
Executar. Durante o carnaval, compartilhou um vídeo do humorista Rudy Landucci, que criou o personagem Beiçonaro, no programa Multi Tom, exibido pelo canal Multishow. Na paródia da marchinha Mamãe eu Quero, Beiçonaro canta: “Mamãe eu quero executar/os comunista/os comunistas/ pro Brasil melhorar". E o post acabou compartilhado por 1 mil pessoas, recebendo 9,5 mil curtidas. "Um dia ele foi me procurar e me ligou como se fosse um trote. Ele (Bolsonaro) entrou na brincadeira.", conta o humorista. "Hoje, Beiçonaro é meu principal personagem."
O vídeo do encontro dos dois foi compartilhado por diversos grupos no Youtube, entre eles o Direita Nordeste, que apoia o deputado. No Facebook, ele e outras dezenas de grupos, como o Gays de Direita (2 mil seguidores), divulgam as ideias do capitão. Esses grupos alimentam o engajamento das redes de Bolsonaro. No Twitter, o deputado somava 402.481 seguidores em 27 de março. De acordo com o indicador de alcance social da consultoria Bites, que soma os fãs e seguidores do Facebook, Twitter, Instagram, Youtube e Google+, o deputado saltou de 44 mil em março de 2015 para 5,04 milhões no dia 31 de março de 2017, um crescimento de 11.344%.
No dia da votação na Câmara, seu Facebook já havia ganho mais 4 mil seguidores. Hoje, Bolsonaro só é superado na rede social por Aécio Neves (PSDB-MG), que tem 4,3 milhões de seguidores. Mas o senador tucano quase parou de crescer, enquanto Bolsonaro ganha dez a 20 vezes mais seguidores por semana do que o colega. Hoje, só um outro político desperta tanto engajamento e recebe novos seguidores semanalmente quanto Bolsonaro: é o prefeito de São Paulo. Doria, porém, tem 2,3 milhões de seguidores e ainda está atrás de Dilma (3,1 milhões), Lula (2,8 milhões) e Marina (2,3 milhões).
“O grande adversário de Bolsonaro nas redes sociais não é Aécio nem Lula. É joão Doria”, afirmou Manoel Fernandes, diretor da Bites. De acordo com análise da consultoria, de um total de 47 milhões de interações dos últimos 300 posts das fanpages de Doria, Bolsonaro, Lula e Aécio, Doria sozinho teve 23,3 milhões de interações, seguido por Bolsonaro, com 14,7 milhões, Lula (8,1 milhões) e Aécio (985 mil). A taxa de compartilhamento do deputado (24%), porém, é maior do que a de Lula (17%) e Doria (16%).
Resistência. As ideias conservadoras e radicais do deputado, como dizer que os sem-terra devem ser recebidos com tiros de fuzil 7,62 quando entram em uma fazenda, encontram resistências fora de sua bolha nas redes. Isso pode ser explicado com uma pergunta simples: Como se sairia um candidato a uma vaga de executivo em uma grande empresa que se comportasse como Bolsonaro nas redes sociais? Quem responde é o executivo Carlos Eduardo Altona, sócio da Exec, uma das maiores consultorias de recrutamento no País. “Posições políticas extremadas , ultradireitistas ou de quem defende os que estavam no poder podem prejudicar uma contratação ou uma promoção."
Uma das táticas do deputado para vencer as resistências às suas ideias, são as viagens com as palestras que dá pelo Brasil. Seu time de assessores marca na agenda duas ou três entrevistas por dia e viagens a cada 15 dias pelo País - na quinta-feira, ele estava em Mato Grosso e, na sexta-feira, em São Paulo. Era 31 de Março (“Carlos Alberto Brilhante Ustra, se for presidente, será declarado herói da Pátria”) e o evento era uma formatura de policiais militare na terra natal do deputado.
Ele nasceu em 21 de março de 1955, em Glicério - ele foi registrado pelos pais em Campinas. Ganhou o nome em homenagem ao craque do Palmeiras, Jair da Rosa Pinto. Passou a infância em Eldorado Paulista, no vale do Ribeira, onde o pai administrava fazendas e trabalhava como dentista prático.
Bolsonaro tinha mais seis irmãos. Pescava, colhia maracujá e extraía palmito silvestre.
Começou a trabalhar entregando jornais, entre eles o Estado, com o qual contribuiu enviando palavras cruzadas que foram publicadas em 1971 e 1972. Entrou para o Exército em 1974, depois de ingressar na Academia Militar das Agulhas Negras, a Aman, em Resende (RJ). Saiu aspirante na turma de 1977 - quatro de seus colegas ocupam postos no atual Alto Comando do Exército, entre eles o comandante militar do Sudeste, general de exército Mauro Cesar Lourena Cid –, classificado em 18.º lugar de uma turma de 69 da Arma da Artilharia. Tornou-se paraquedista nos anos 1980.
Decidiu entrar para a política em 1988, quando se candidatou a vereador no Rio - um ano antes, ele havia sido alvo de uma apuração sob a suspeita de planejar atentados a bomba dentro de quartéis no Rio como protesto contra os baixos soldos dos militares. Acabou absolvido e eleito com quase 12 mil votos - no mesmo pleito Chico Alencar se elegera vereador no Rio.
Campanha. Desde então, suas votações oscilaram entre 67 mil e 135 mil votos. Era um deputado do baixo claro e manteve-se assim por seis mandados até se transformar no deputado federal mais votado do Rio, com 400 mil votos - hoje é disputado por partidos como o PR e o PRB. Pressionado a assumir por amigos uma "postura de estadista" e a debater "grandes temas", Bolsonaro reconhece que, em comparação, aos demais presidenciais está “no ensino fundamental da economia”.
Recentemente, Bolsonaro manteve duas reuniões com empresários em São Paulo e outras duas no Rio. "Perguntaram para mim se eu já tinha algum economista de renome me assessorando", contou. E ele mesmo completa. "Ainda não, mas brevemente eu terei." Gostaria de ter ao seu lado como conselheiro, o ex-ministro Delfim Neto. Um futuro ministério de seu governo contaria com militares, como o general Augusto Heleno. Para compor sua chapa em 2018, o capitão quer um civil. Quer seguir a fórmula de parte dos presidentes militares, cujos retratos mantém em seu gabinete - de Castelo Branco a João Figueiredo. E pensa em convidar o ex-governador do Piauí Mão Santa, atual prefeito de Parnaíba. “Ele não é um formulador. O que ele pensa sobre reforma Política, do Estado e da Previdência? Ele vai no senso comum, mais raso, e com estilo virulento, que agrada as redes sociais”, conclui Chico Alencar.
Contrário à independência do Banco Central ("Sem um coração verde e amarelo no peito dos caras que estão lá dentro o presidente da República vai ser refém deles"), contra o casamento gay, a adoção de crianças por casais gays, contra cotas raciais, contra o Estatuto do Desarmamento ("Fazendeiro comigo vai ter fuzil") e favorável ao corte de até 50% do Bolsa Família, Bolsonaro diz nunca ter pensado em assinar uma carta de compromisso com a democracia a fim de acalmar os que o vêem como ameaça. “Ele pensa no Brasil acima de tudo e, hoje, é a esperança de muita gente”, diz o coronel Müller.
Em quase quatro horas de entrevista para o Estado (veja o próximo capítulo), o deputado citou sete vezes o presidente americano Donald Trump como exemplo de como lidar com a questão ambiental e a exploração de riquezas minerais em reservas indígenas e ambientais e sobre como enfrentar perguntas embaraçosas da imprensa. "Daria uma de Trump: 'Fake news, passa para outro'." E alerta: "Vocês (jornalistas) vão bater tanto em mim que vão fazer a minha campanha.”