Jantar harmonizado com cerveja


Leo Botto
Paulo Leite


Sabores no prato, reforço no copo

Texto: Daniel Telles Marques
Foto: Felipe Rau
Leo Botto, chef do grupo Chez, era o responsável pelas comidas de avó, com toques modernos e inclusão de ingredientes. Paulo Leite, do Empório Sagarana, fez a seleção das cervejas da noite. Juntos, pensaram em harmonizações complementares: cervejas para acentuar características das comidas e comidas para reforçar o gostos das cervejas.

“A ideia de falar de sabores do Brasil pedia uma cerveja primitiva”. A bebida escolhida foi uma lambic, que para Leite é a mãe das cervejas, "feita sem a mão do homem, com fermentação espontânea com bactérias que vivem no ar de Bruxelas, na Bélgica". Botto pensou em sabores primitivos e escolheu preparar um ceviche, primitivo ao ponto de não ir ao fogo. Como o acento era brasileiro, o ceviche levou ingredientes brasileiros: entrou o jambú e tapioca com queijo da canastra, acompanhando o peixe cozido no limão. O limão cravo deu o toque azedo, o jambú, a dormência a tapioca, o equilíbrio, intencionalmente derrubado pela a cerveja escolhida por Leite, uma Gueze Mariage Parfat safra 2008, superácida.

Acidez com acidez, redundantes e complementares. "Quando a gente fala de harmonização, fala de encontros e desencontros. Nesse caso, há encontros da acidez do prato com o da cerveja" , explicou Botto.

O segundo prato preparado por Botto teve influências do litoral, acento caiçara, como ele disse. Garoupa grelhada com creme de mandioca e taioba. Defumado do grelhado, doce da gordura do peixe, farofa torrada para equilibrar, coentro selvagem para perfumar e banana ouro assada dando o doce do prato. O casamento veio com uma cerveja de trigo, que originalmente é doce e tem aromas de banana. Não a escolhida, uma cerveja de trigo, mas lupulada: a brasileira Bodebrown Hop Weiss. "Lúpulo pra quem não sabe é o equivalente ao sal na gastronomia. O lúpulo é o que tempera a cerveja", disse Leite. Era o tempero herbal para equilibrar o prato, contrastar com o doce e leve gosto mineral do peixe.

Para mudar do mar para a terra, os dois sugeriram uma lavagem de boca com álcool, com cachaça. Paulo, que é mineiro, deixou o bairrismo de lado e escolheu uma cachaça paraibana, Serra Limpa. "Vamos fazer um corte para essa passagem de pratos do mar para carnes da terra. A cachaça limpa o paladar", explicou Leite. Junto com o destilado, caju e sal.

Paladares limpos, o cozinheiro foi à terra. Inspirado em um sanduíche que comeu no bar de Leite, um sanduíche de pancetta com melaço, Botto preparou barriga de paca com mel de mandaçaia e mel de manduri, abelhas nativas do Brasil. Doce da carne e dos meles eram redundantes e para quebrar o dulçor, uma cerveja amarga. A Invicta Imperial India Pale Ale, 14 vezes mais amarga que as cervejas convencionais. Para perturbar a equação de doce com amargo, Botto colocou saúvas no porco. Apareceu um mentolado, bem combinado com o doce residual dos maltes da cerveja.

Brasil também é comida de memória e reinvenção. Por isso, Botto preparou um carne de panela -- não qualquer carne, uma maminha de kobe -- que combinou com farofas e o mesmo corte grelhado e um molho de tucupi negro, junto com purê de raízes. Mentolado, doce da carne, adocicado picante do tucupi e o defumado do grelhado no prato. Complementar sabores tão extremos foi tarefa para a Backer Três Lobos Bravo, uma Imperial Porter: doce, defumada e amarga. Gostos complementares.

Por fim, três sobremesas: parfait de chocolate baiano, queijo da Serra da Canastra com doce de leite argentino e tapioca com tucupi negro, saúva e mel. E uma cerveja: a Wäls Petroleum, uma Russian Imperial Stout, com gosto forte de chocolate, café e alto teor alcóolico, que redundava em chocolate para o parfait, equilibrava o mentolado da saúva e quebrava a untuosidade do queijo.



Ceviche amazonense

Panceta de paca


Saúva