Acidente de trens na Grande Buenos Aires mata 51 pessoas; popularidade de Cristina cai (Reuters/Enrique Marcarian)

Néstor Kirchner assumiu a presidência da Argentina dizendo que a porcentagem de desempregados no país era maior do que a de votos que recebeu. Respaldado por Eduardo Duhalde, que presidiu o país interinamente entre 2001 e 2003, se beneficiou da desistência de Menem no segundo turno da eleição. Ao assumir o governo, o desconhecido ex-governador da Província patagônica de Santa Cruz tinha como principal desafio superar os efeitos da crise que levou à renúncia de Fernando De La Rúa.

Em 2003, a Argentina tinha 54% da população vivendo na pobreza e um contingente de 10 milhões de miseráveis. Um em cada quatro argentinos não encontrava trabalho. Após declarar a moratória da dívida externa, o país não tinha acesso a recursos e investimentos externos.

Ao nomear Roberto Lavagna para o Ministério da Economia, Kirchner colocou a reestruturação da dívida como prioridade para equalizar as contas do país. Na economia real, deu início a uma política de valorização do salário mínimo, das pensões e aposentadorias e reestabeleceu as negociações coletivas entre empresas e sindicatos. As duas medidas só foram possíveis graças a estratégias definidas ainda em 2002, na presidência de Duhalde: a desvalorização assimétrica do peso e o estabelecimento de retenções para exportações.


Bases econômicas da recuperação

Kirchner conversa com Duhalde na residência oficial de Olivos antes da posse, em 2003 (Crédito: Divulgação / Reuters)

Ao longo da presidência de Duhalde, ficou claro que a convertibilidade entre o peso e o dólar, que vigorou durante os anos Menem era insustentável para as contas do país. A dúvida da equipe econômica do presidente interino era como garantir os depósitos bancários e desindexar contratos e tarifas em dólar sem agravar o cenário de inflação e empobrecimento da população.

A solução encontrada foi a desvalozização assimétrica do peso: os poupadores receberiam seu dinheiro a uma taxa pré-determinada de 1,40 peso por dólar. As dívidas e contratos seriam regidas pelo câmbio à época de sua contração – na prática 1 para 1.

Com a desvalorização, agronegócio – o único setor forte da economia argentina que tinha produtividade e potencial de crescimento – foi beneficiado. O cenário externo, num contexto de disparada do preço das commodities, também contribuiu para o aumento das exportações. As vendas de soja, trigo e carne cresceram exponencialmente.

Com a perspectiva de aumento das exportações, o governo argentino instituiu o regime de retenções das exportações, segundo o qual receberia o equivalente a 33% das vendas de commodities para o exterior. Esse dinheiro passou a financiar o investimento público, aumento de salários e pensões e programas sociais.

Nos anos seguintes à posse de Néstor Kirchner, o PIB argentino cresceu uma média de 8% ao ano. Em quatro anos, a taxa de desemprego caiu à metade. Com a renda. O investimento do governo na economia subiu de 1,2% para 3,.7% do PIB. A melhora do desemprego e da renda fizeram com que os níveis de pobreza provocados pela crise de 2001 também fossem reduzidos. Em 2007, 21% dos argentinos eram pobres e 6%, miseráveis. A inflação, no entanto, seguia alta.

Crescimento econômico:


Saindo do calote

À época da eleição de Néstor Kirchner, a Argentina havia declarado a moratória da dívida externa. Sem financiamento externo, o presidente colocou a renegociação da dívida junto ao Fundo Monetário Internacional como uma de suas prioridades. Em 2005, o governo argentino conseguiu renegociar 76% da dívida a juros menores e reduzir substancialmente sua dívida públic. Em 2010, já na presidência de Cristina, outro pagamento foi quitado, restando apenas uma porcentagem de fundos abutres que se negaram a participar da renegociação e acionaram o país na Justiça dos EUA.


Direitos humanos: os militares nos bancos dos réus

O ex-ditador argentino Jorge Rafael Videla durante missa em 1990. (Crédito: Stringer/Files/REUTERS)

No campo político, uma das prioridades de Kirchner no começo de mandato foi a a revogação das leis de anistia criadas no final dos anos 1980. As leis Ponto Final (1987) e da Obediência (1988) anistiaram militares e ex-repressores envolvidos na tortura de cerca de 30 mil pessoas. O processo de revisão das leis de anistia obteve a primeira grande vitória em 21 de agosto de 2003.

Foi quando, o Senado argentino, atendendo as pressões de grupos que pediam por esclarecimentos, reparação, entre eles as 'Mães da Praça de Maio', revogou a Lei do Ponto Final e a Lei da Obediência Devida.

Foram anistiados pelo menos 1.100 militares, muitos deles responsáveis por graves violações dos direitos humanos, durante a “guerra suja” contra a oposição na ditadura argentina (1976 a 1983).

O resultado da revogação foi a condenação de três ex-presidentes do governo militar, Rafael Videla, Leopoldo Galtieri e Reynaldo Bignone, e abertura de 75 processos contra crimes cometidos durante a ditadura.

VÍDEO Mais de 2 mil ex-integrantes da ditadura argentina foram processados pela Justiça

Eleição de Cristina

Conforme seu mandato caminhava para o final, Kirchner deu indícios de que poderia apoiar a candidatura de sua mulher, a senadora Cristina Fernández de Kirchner, para substituí-lo. Com a popularidade do marido em alta, a senadora foi eleita com 45% dos votos, tornando-se a primeira mulher a dirigir a Argentina desde Isabelita Perón. Em 2011, ela seria reeleita com 54% dos votos.

Nestor Kirchner Fui eleito com 22% dos votos e 25% de desempregados

Néstor Kirchner

Sobre a desistência de Menem no segundo turno, que definiu sua eleição

Há vida depois do FMI

— Néstor Kirchner

Após a Argentina sair do default

Cuidado que o diabo chega a todo mundo, até mesmo para os que usam batina

— Néstor Kirchner

Sobre as críticas da Igreja Católica a seu governo

No ano que vem o candidato será um pinguim ou uma pinguina

— Néstor Kirchner

Sobre a possibilidade de disputar a reeleição ou apoiar Cristina

Vou a um café literário

— Néstor Kirchner

Sobre o que faria longe da presidência

Sou um soldado de Cristina

— Néstor Kirchner

Sobre uma suposta ingerência no governo da mulher

Sou um soldado de Cristina

— Néstor Kirchner

Sobre uma suposta ingerência no governo da mulher

Cristina Kirchner A presidenta sou eu, c***

— Cristina Kirchner

Repreendendo o marido após assumir o governo

Eu já fui pobre

— Cristina Kirchner

Falando das origens em La Plata

Não sei se Obama já leu a obra de Perón, mas parece

— Cristina Kirchner

Comparando o presidente americano e o ex-líder argentino

A diabates é uma doença de pessoas com alto poder aquisitivo, porque são pessoas sedentárias que comem muito

— Cristina Kirchner

Associando a doença a uma classe social

Tenho uma determinada posição econômica que foi produto do meu êxito profissional. Agora, sou uma presidente exitosa

— Cristina Kirchner

Explicando o crescimento de seu patrimônio


Programas Sociais

Crianças esperam por sopa comunitária na periferia de Buenos Aires em 2008 Enrique (Crédito: Marcarian / Reuters)

Uma das principais marcas dos 12 anos de kirchnerismo na Argentina foi a criação de diversos programas sociais. Vistos pelos críticos como uma forma de clientelismo e pelos partidários como um mecanismo de redução da pobreza, fizeram parte da fórmula de sucesso que permitiu ao casal ganhar 3 eleições. Um dos principais programas e a Asignación Universal por Hijo, um projeto inspirado no Bolsa Família brasileiro que dá uma renda fixa mensal a famílias que mantenham os filhos na escola e com a carteira de vacinação em dia.

Nas províncias mais pobres do país, era uma das principais fontes de renda de famílias de baixa renda.

VÍDEO Miseráveis vivem da ajuda do governo no norte da Argentina

Morte de Néstor

Quando muitos analistas especulavam se Néstor tentaria retornar à Casa Rosada em 2011, ele morreu, vítima de problemas cardíacos em sua casa em El Calafate, na Patagônia. A tragédia transformou Cristina praticamente na candidata única á reeleição. No segundo mandato, a presidente desistiu de tentar emendar a Constituição em busca de uma terceira eleição, o que abriu uma disputa entre seus colaboradores mais próximos para sucedê-la.

Veja quem é quem no Kirchnerismo

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INIMIGOS K

Ao longo da última década, Cristina e Néstor Kirchner reuniram também diversos antagonistas a seu projeto de poder. Da imprensa ao setor rural, passando pela Igreja Católica, o casal teve divergências com vários setores da sociedade e da política argentina.

Setor agrário. Embora o kirchnerismo tenha se beneficiado do boom das commodities no mercado internacional, especialmente da soja, a convivência com os produtores agrícolas em 2008, quando tentou alterar a regra de arrecadação fiscal desses produtos. O resultado foi um locaute organizado pelo setor produtivo que parou estradas e desabasteceu mercados por meses.

Polícia faz segurança de caminhão de produtor agrícola durante locaute agrário de 2008 (Crédito: Ricardo Santellan / Reuters)

Clarín. Após uma relação de proximidade na gestão de Néstor Kirchner, quando o presidente prorrogou as licenças de rádio e TV da empresa e permitiu a fusão entre duas empresas de TV a cabo que interessavam ao grupo, o Kirchnerismo rompeu com o Clarín após a crise agrária de 2008, insatisfeito com a cobertura da crise. Um ano depois, o Congresso aprovou a Lei de Mídia, que determinava o desmembramento de grandes grupos de comunicação e afetava em larga medida o Clarín.

Fiscais entram na sede do jornal "Clarín" em Buenos Aires, para uma operação surpresa contra a empresa. O principal diário do pais interpretou o ato como "intimidação" por parte do governo Cristina Kirchner. (Crédito: Clarín/Divulgação)

Ex-militares. Uma das primeiras medidas de Kirchner ao chegar ao poder foi revogar a lei de Anistia que impedia agentes de Estado de serem julgados por crimes cometidos na ditadura argentina. Com a nova legislação, julgamentos foram reabertos. O ditador Jorge Videla foi condenado à prisão perpétua pelo sequestro de bebês de militantes de esquerda.

Mauricio Macri. Principal líder da oposição conservadora ao kirchnerismo, ganhou destaque ao assumir a prefeitura de Buenos Aires, em 2005. Ex-presidente do Boca Juniors, antagonizou com Néstor e Cristina nos últimos anos e foi alvo de críticas de propagandas do governo transmitidas durante partidas do Campeonato Argentino

O prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, concede entrevista em Lausanne (Suíça), após a cidade argentina ser escolhida para sediar os Jogos Olímpicos da Juventude de 2018. (Crédito: Ballesteros/EFE)

Julio Cobos. Vice-presidente no primeiro mandato de Cristina, rompeu com o governo ao votar a favor dos produtores rurais na crise de 2008. Desde então, foi afastado das decisões do Executivo até o fim do mandato, em 2011.

Cristina Kirchner (direita) conversa com o vice-presidente do seu primeiro mandato, Julio Cobos, em cerimônia na capital argentina, em junho de 2008. (Crédito: Marcos Brindicci/Reuters)

Jorge Bergoglio. Então arcebispo de Buenos Aires, Bergoglio liderou a oposição à aprovação do casamento gay na Argentina e outras leis que ampliaram os direitos LGBT. Quando se tornou o papa Francisco, o kirchnerismo o acusou de ter vínculos com a ditadura argentina. Ao longo do pontificado, a relação entre o papa e Cristina melhorou.

O cardeal Jorge Mario Bergoglio (2º à direita), hoje Papa Francisco, acompanha com outros eclesiásticos o discurso da presidente argentina, Cristina Kirchner, em Buenos Aires, no final de 2007. (Crédito: Presidency/Handout/Reuters)
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