Pablo Pereira &
Clayton de Souza

O governo colombiano e guerrilhas esquerdistas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) anunciaram em março deste ano um acordo para implantar um programa piloto de remoção de minas terrestres em diferentes regiões do país. O acordo é parte de um grupo de medidas para reduzir a intensidade de um conflito que já dura meio século.

A organização de Ajuda Popular da Noruega coordenará um processo de limpeza e desarme de minas e artefatos explosivos improvisados. O batalhão do exército colombiano especializado em remoção de minas será o responsável por retirar os artefatos sob a supervisão de uma equipe verificadora.

O trabalho da desminagem e seus perigos:
Sob o sol de rachar do verão da Antioquia, estado de belas paisagens montanhosas, terra do artista Fernando Botero, o pintor de mulheres volumosas e que tem reproduções de seu tocante "Pedrito Botero" nas paredes de casas humildes do interior, o trabalho dos soldados no campo minado beira o heroísmo.

Protegidos por coletes blindados e capacetes, mas com pernas e braços expostos, os desminadores limpam, devagar, a vegetação da chácara de Los Mangos - cada desminador tem de entregar até 15 metros de extensão de terreno limpo por dia. Localizam as minas nas roças, pastos e trilhas das tropas. O perigo os acompanha a cada minuto. "Para garantir a segurança dos soldados não se pode ter pressa em campo minado", explica o cabo Lopez Gutierrez, um dos responsáveis pela identificação das áreas sob suspeita.

Em julho último, o soldado desminador Wilson de Jesús Martínez, de 37 anos, morreu ao detonar, por acidente, uma mina durante a busca por explosivos em Briceño, município de cerca de 8 mil habitantes, a 180 quilômetros ao norte de Medellín. O campo minado da "Loma El Capitán", na vereda El Orejón, onde aconteceu o acidente, é examinado por um grupo de militares em conjunto com representantes das Farc e da ONG norueguesa APN (Ação Popular Noruega). É um Projeto Piloto que desmonta e elimina as minas como parte do esforço de convivência pacífica que precede o acordo nacional de paz entre as Farc e a Colômbia.

O temor paralisante das mutilações e o perigo de morte não ocorrem somente entre colonos nas lavouras e campos. Na zona urbana de Cocorná, Júlio Cesar Ruiz Velásquez, de 46 anos, sofre com as dores nas amputações em suas duas mãos, decepadas há 13 anos quando trabalhava em uma oficina de conserto de eletrodomésticos na cidade. "Era um sábado, estava trabalhando quando o artefato explodiu", conta.

Segundo documento de agosto último do Exército, no vizinho município de San Francisco o rastro da guerra foi assustador: 15 das 41 localidades ficaram sem nenhum habitante: todos fugiram. No trabalho dos desminadores, iniciado em San Francisco em 2008, foram encontrados 20 artefatos explosivos de alto poder de destruição e 293 MAPs. Hoje com 5 mil habitantes, com 373 quilômetros quadrados, San Francisco é considerado zona livre do perigo das minas.

Áreas com incidência de acidentes em minas

Mas o perigo das minas escondidas não é o único problema das equipes dessa limpeza de terras. Além do cuidado com a desminagem manual, quando o soldado localiza o explosivo e cavoca ao redor dele com uma colher de jardinagem, por baixo, para evitar contato com gatilhos escondidos, os especialistas têm de observar o oportunismo. "Temos de fazer um estudo técnico cuidadoso para evitar os aproveitadores", diz um militar que trabalha em Cocorná. "Há terras que não foram contaminadas. Mas os proprietários querem obter logo o certificado de desminado e poder faturar no mercado imobiliário rural antes dos outros", explica.

Na dúvida, os especialistas do Batalhão de Desminagem do Exército (Bides) vistoriam as áreas com registro de suspeita ou denúncias e as enquadram em protocolos internacionais de desminagem antes das varreduras. Uma comissão de observadores internacionais avalia os dados e fiscaliza caso a caso. Atendidos os requisitos de suspeita, como localização de combates, áreas de trânsito de tropas regulares ou guerrilheiras, ou ainda locais de ampla visitação, os desminadores então são chamados para a limpeza. "Como há muitos lugares, precisamos evitar o desperdício de recursos e homens", argumenta o militar.

Nos campos minados de áreas planas e ao redor de bases e quartéis, o Exército colombiano já usou máquinas para limpar terreno. Tratores ou blindados militares equipados com correntes apresentam resultados mais rápidos. Há também pelotões com cães treinados para a localização dos explosivos.

Mas na região de Cocorná as máquinas não podem entrar. É terra de quebradas e cerros, com ladeiras íngremes, como a de Los Mangos. Naquela "vereda", os soldados limpam a terra com tesourões, passam aparelhos detectores de metais e marcam com tinta vermelha os pontos nos quais a tralha apita. Depois, escavam para expor os artefatos. A partir daí, chamam o pelotão da destruição. A ordem é registrar as coordenadas de satélite, recuar a uma distância segura e detonar logo o entulho.

Atualmente, segundo o Bides, os militares não têm encontrado as minas industrializadas, que eram mais usadas na proteção dos quartéis. Esse trabalho foi feito entre 2005 e 2010. A herança maldita para os civis é artesanal. São objetos explosivos improvisados, como garrafas plásticas carregadas por pregos e parafusos e com substâncias para detonação.

Há ainda cargas em tubos de PVC ou até pelotas de explosivo com cacos de metais envoltas em fita adesiva. Os detonadores são de vários tipos. Vão de baterias com controle remoto e fios inflamáveis de pólvora preta a seringas de injeção fixadas em bocas de garrafas ou até em baldes e panelas. Os êmbolos são deixados puxados para fora à espera do incauto. Pressionado, ele aciona uma reação química ou elétrica, e bum!