Para entender a crise da saúde no Brasil

Com implementação do teto de gastos, setor deve enfrentar mais obstáculos nos próximos anos

Por Ana Beatriz Assam, Lorena Lara, Pedro Ramos e Rubens Anater

– Qual a perspectiva para o País aumentar os investimentos na saúde?

O ministro da Saúde do governo Temer, Ricardo Barros, é categórico: “Nós não precisamos de mais recursos e eu não pedirei mais enquanto for ministro, porque os que temos têm sido mal gastos”. O posicionamento do ministro está de acordo com o discurso de redução de despesas do governo federal.

Historicamente, os gastos públicos do Ministério pouco cresceram acima da inflação nos últimos seis anos, segundo dados do Orçamento no site Siga Brasil. O valor investido pelo governo federal no setor, corrigido pela inflação de novembro deste ano, cresceu de 2012 a 2014. Depois disso, entrou em declínio. No acumulado de janeiro a novembro de 2017, o Ministério desembolsou R$ 107,4 bilhões, o menor valor desde 2013, na comparação com o mesmo período.

 

Além do valor, o porcentual do Orçamento dedicado à Saúde também diminuiu. Ao considerar apenas o orçamento efetivo – descontando os gastos com refinanciamento da dívida e repartição das receitas –, a participação do setor cai em todos os anos a partir de 2014, chegando em 2017 ao menor valor da série.

Dados publicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) neste ano mostram que, se comparado com outros países, esse investimento é pequeno. Em 2014, o Orçamento da União investiu menos de 7% do total no setor, enquanto a média mundial alcançou 11,7%. Questionado sobre essa disparidade, o ministro afirma que o dado não é motivo de preocupação. Barros ainda reforça que não pretende pedir aumentos de verbas.

Nesse cenário, as expectativas para o futuro não são animadoras. O professor da Medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Denizar Vianna, especializado em economia da saúde pública, acha que isso é um risco, porque os custos vão aumentar à medida que a população envelhece e surgem novos medicamentos e tecnologias, que costumam ser caros. “No cenário atual, há um engessamento que não vai permitir aumentar o orçamento da saúde para atender às necessidades das pessoas.”

Outra preocupação crescente é o aumento da judicialização, quando pacientes recorrem à Justiça para garantir medicamentos, exames ou tratamentos. Segundo o Ministério da Saúde, os gastos com aquisição de medicamentos e depósitos judiciais aumentaram em 960% entre 2010 e 2016. Saltaram de R$ 122,6 milhões para R$ 1,3 bilhão. “Isso impacta no orçamento e no planejamento das despesas, desviando recursos que poderiam ser, de alguma forma, orientados para ações de saúde com maior retorno para a população.”

Ainda que diga que não pretende aumentar os investimentos, o ministro garante que a verba da pasta tem crescido consideravelmente nos últimos anos. Em nota do Ministério, a assessoria informa: “O Governo Federal em 7 anos quase dobrou o valor dos recursos destinados para as ações e os serviços de saúde, passando de R$61,9 bilhões em 2010, para R$ 115,3 em 2017”, afirma. Contudo, esses números consideram valores correntes da época, não corrigidos pelo IPCA. Se calculados tendo em vista a inflação, nota-se a curva de oscilação apresentada no gráfico no início da reportagem.

O Ministério informa ainda que a Lei Orçamentária Anual (que estabelece o valor para gastar no ano) de 2017 foi de R$ 125,3 bilhões, valor maior do que nos últimos anos, segundo o comunicado, e que esse montante deve crescer no próximo ano. “A previsão orçamentária total da pasta no Projeto de Lei Orçamentária Anual 2018 (PLOA) é de R$ 130,4 bilhões”, informa o Ministério. Historicamente, no entanto, o valor efetivamente investido desde 2012 ficou abaixo do previsto na LOA de cada ano.

Além disso, deixam claro que o financiamento e a gestão da saúde são compartilhados entre a União, que estabelece as diretrizes das políticas de saúde, e os Estados e municípios, responsáveis pela execução dos serviços e organização da rede de assistência à saúde da população.

Desde a Lei 141/2012, os municípios são obrigados a investir no mínimo 15% de sua arrecadação em ações do setor, para manter o atendimento de seus habitantes. No entanto, com a redução de repasses federais nos últimos anos, 96% das cidades brasileiras precisaram dedicar bem mais verbas do que isso em 2016.

– A PEC do Teto afeta os investimentos em saúde?

A emenda constitucional 95/2016, antes conhecida como PEC do Teto, estabeleceu um limite para as despesas da União nos próximos 20 anos, considerando os gastos do ano anterior corrigidos pela inflação. Proposta pelo governo, a emenda foi aprovada apesar das críticas. Para o Conselho Nacional de Saúde (CNS), a mudança afetará investimentos em áreas importantes, como saúde e educação.

A Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento (Cofin) calculou que, até 2036, o SUS deixará de receber R$ 434 bilhões do governo federal. Presidente do CNS, Ronald Santos acredita que a PEC do Teto fará o governo diminuir o valor dos investimentos per capita em saúde, ao invés de congelá-los. Santos argumenta que o setor não consegue ser medido única e exclusivamente pela inflação. “Estamos com ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal porque um dos preceitos da Constituição é que a garantia de direitos fundamentais não pode ter retrocesso.”

Barros diz que a emenda constitucional não será limitadora para a verba do Ministério. Ele afirma que a única mudança causada ao setor é positiva, por aumentar o piso mínimo de participação da receita corrente líquida. Até então, o governo federal era obrigado a investir 13,2% da receita na saúde, mas, depois disso, o porcentual subiu para 15%, reajustados anualmente pela inflação média calculada desde julho do ano anterior até junho do ano em questão. Além disso, a emenda não proíbe o Congresso de remanejar verbas de outros setores para investir na saúde.

– O que um candidato pode prometer para melhorar a saúde pública no Brasil?

Os candidatos podem apresentar propostas de gestão para a saúde, mas afirmar que vão levar mais recursos para o setor é arriscado, principalmente considerando a política de redução de gastos do governo. Para o professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) Gonzalo Vecina, o prognóstico de novas verbas é improvável. “Com a PEC do Teto, o futuro é desastroso. Nenhum candidato pode se meter a falar de aumento de investimento na saúde.”

Segundo Denizar Vianna, a saúde pública precisa de um choque de gestão. “O candidato tem de ter uma proposta robusta e que privilegie a atenção primária”, aponta. O professor explica que destinar mais verba do orçamento para a saúde da família, por exemplo, deve diminuir casos complexos e que exigem hospitalização.

O ministro Barros também se vale do discurso de melhoria na gestão para justificar a estabilização dos gastos no setor. “Dá para fazer muito mais com o mesmo recurso e eu tenho provado isso na nossa gestão”, afirma, comentando que, nos 18 meses em que esteve no comando do Ministério, economizou R$ 4,5 bilhões.

Já para Vecina, a melhora da gestão dos gastos na saúde precisa vir acompanhada do aumento dos investimentos no setor. “Precisamos melhorar muito a eficiência da máquina pública, mas também falta dinheiro. Algumas autoridades falam que não falta dinheiro na saúde e o que precisa é gastar bem. É uma hipocrisia sem tamanho.”