Fake news devem causar impacto em eleições de 2018

Preocupação com matérias enganosas cresce no País

Por Alessandra Monnerat, Matheus Riga e Pedro Ramos

Você já ouviu falar em um projeto de lei que cria uma cota para homossexuais em concursos públicos? Ou alguém te enviou pelo WhatsApp um alerta de que pagará multa de R$ 150 se perder o prazo de cadastramento da biometria para votar em 2018? Se a resposta for sim, você foi alvo das fake news. O termo foi escolhido como palavra do ano de 2017 pelo dicionário da editora britânica Collins e designa notícias fabricadas para enganar pessoas. Esse tipo de mentira já teve protagonismo nas eleições americanas e deve causar impacto semelhante no pleito brasileiro.

Segundo levantamento do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai), da Universidade de São Paulo (USP), cerca de 12 milhões de pessoas compartilharam fake news no Brasil em junho deste ano. O levantamento, que monitorou 500 páginas digitais de conteúdo político falso ou distorcido, indica que tais notícias têm potencial para alcançar grande parte da população brasileira se considerada a média de 200 seguidores por usuário.

A influência das fake news sobre o voto no próximo ano é dada como certa para especialistas como a diretora da agência de checagem Lupa, Cristina Tardáguila. “Já existe notícia falsa hoje em dia em um cenário fora da campanha eleitoral. A probabilidade é 1.000% de notícias falsas permeando as campanhas de presidente e de governadores. Aconteceu com nossos vizinhos, na Argentina e Colômbia.”

O principal impacto das fake news é tumultuar o processo pelo qual as pessoas recebem as informações sobre questões de interesse público, diz Cristina, com efeitos de intensidade imprevisível. “A unidade básica da tomada de decisão é a informação. Se você está mal informado, você tomará más decisões”, afirma.

Durante a disputa para presidente dos Estados Unidos, em 2016, a editora do site de checagem Politifact Angie Holan trabalhou rebatendo declarações falsas ditas pelos candidatos à presidência — especialmente Donald Trump. Desde que o agora presidente americano começou a ser checado pelo veículo, apenas 4% de 474 falas foram categorizadas como verdade. “Acho que as pessoas se importam com a verdade, mas a verdade é apenas um fator dentre vários em uma eleição”, diz Angie. “Os eleitores americanos, e todos os eleitores na verdade, se preocupam mais com a personalidade de uma pessoa.”

O termo ‘fake news’ foi muito utilizado pelo presidente norte-americano Donald Trump em sua campanha eleitoral de 2016. Foto: Tom Brenner/The New York Times

O linguista e filósofo norte-americano Noam Chomsky afirma que quando os pronunciamentos de Trump são regularmente expostos como pura invenção, isso geralmente é usado para mostrar que as elites são tendenciosas contra seu herói. Para Chomsky, isso confirma a teoria de que as invenções espalhadas nas redes sociais são populares especialmente entre as pessoas que percebem o poder estabelecido como hostil e se sentem vitimadas pelas políticas prevalecentes. “Elas desconfiam do que vem das fontes da elite e procuram por algo que possam interpretar como favorável às suas atitudes e interesses”, diz o filósofo americano.

O grande teste

Ainda não se sabe quais serão as forças por trás das matérias enganosas em 2018. Tai Nalon, cofundadora da agência de checagem Aos Fatos, lembra que existem sites que se travestem de veículos jornalísticos e enganam os leitores, usando nomes de marcas consolidadas para dar seriedade ao conteúdo veiculado. “Esses sites podem se tornar um problema à medida que geram dinheiro e viram uma indústria de desinformação.”

Os novos canais de comunicação, como WhatsApp, podem ampliar a disseminação de conteúdo de origem duvidosa, alerta a jornalista. Correntes, memes e vídeos, por exemplo, descontextualizam informações e amplificam esse problema. “Boatos e notícias falsas sempre existiram. A questão hoje é a distribuição delas”, observa.

Para o professor do Departamento de Informática da PUC-Rio Daniel Schwabe, a preocupação é como o eleitor irá se comportar diante das fake news. “Não temos como saber se as pessoas já estão criando seus próprios filtros para as questões políticas. Dá menos trabalho repassar do que parar e dizer ‘não vou compartilhar isso’”, explica. Para ele, o público ainda não sabe que pode ser manipulado pela internet, assim como é feito na televisão e no rádio.

Para tentar frear esse fenômeno e seus efeitos na próxima eleição, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já prepara ações com Ministério da Defesa, Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e o Exército. Enquanto o TSE se encarrega da parte jurídica do processo, de punição e interpretação dos conteúdos divulgados, as outras instituições trabalham na parte tecnológica, de verificação de vulnerabilidade de sistemas e detecção de robôs responsáveis por disseminar notícias falsas. De acordo com o Ministério, as experiências positivas de cibersegurança durante as Olimpíadas do Rio, em 2016, servirão como base para as iniciativas do ano que vem.

Em paralelo, tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei apresentado em fevereiro de 2017 que propõe criminalizar a produção de notícias falsas. De autoria do deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), o texto prevê pena de detenção de 2 a 8 meses para quem produzir fake news. “As mentiras ultrapassaram todos os limites”, acusa o deputado. “Tem que saber até onde vai o limite da liberdade, da não censura”.

Tai Nalon, da Aos Fatos, diz que iniciativas que envolvam controle da liberdade de expressão na internet devem ser evitadas. “Qualquer elemento que interfere em liberdade de expressão entra em um grau de subjetividade que não cabe ao TSE, por exemplo. É um assunto constitucional e deveria ser tratado pelo Supremo Tribunal Federal.”

EUA, a primeira vítima

As eleições americanas do ano passado foram um exemplo para o mundo sobre a influência de conteúdo enganoso sobre o voto. O compartilhamento de fake news e de textos extremistas, sensacionalistas, conspiratórios e de opinião disfarçados de notícias jornalísticas ganhou força frente a reportagens escritas por profissionais.

Um levantamento do Projeto de Propaganda Computacional da Universidade de Oxford analisou os compartilhamentos feitos por usuários do Twitter no estado de Michigan durante o período eleitoral. Os pesquisadores descobriram que 46,5% de todo o conteúdo apresentado como noticioso sobre política era composto por notícias falsas, documentos não verificados do WikiLeaks e matérias de origem russa. Recentemente, descobriu-se que  126 milhões de internautas dos EUA no Facebook foram expostos ao conteúdo produzido na Rússia sobre a eleição americana.

Nas audiências realizadas em novembro no Congresso americano sobre a influência russa no pleito dos Estados Unidos, executivos do Google, Facebook e Twitter fizeram um mea culpa. Eles admitiram que operadores da Rússia usaram as plataformas online para dividir o país. As gigantes de tecnologia se comprometeram a divulgar, com transparência, quem paga por anúncio nas redes — a iniciativa teria efeito global, inclusive no Brasil.

Colaboraram Jéssica Díez Corrêa, Marina Dayrell, Matteo Bianucci