Meros 35 quilômetros de oceano separam o Arquipélago dos Alcatrazes de algumas das praias mais badaladas do litoral norte de São Paulo. Pode-se chegar lá em apenas uma hora, com vento favorável e uma boa lancha; mas parece ser um milhão de anos. A ilha principal se ergue do leito marinho, como uma encarnação flutuante do lendário Mundo Perdido de Arthur Conan Doyle, em que dinossauros e outros seres pré-históricos viviam escondidos num platô isolado da Bacia Amazônica até os tempos modernos. Milhares de fragatas, com mais de 2 metros de envergadura cada uma, voam em círculos sobre seus picos, como um enxame de pterossauros. Dos enclaves de mata mais abaixo, onde fazem seus ninhos, a impressão é que tiranossauro pode aparecer urrando a qualquer momento.
Dinossauros de verdade, não há. Mas Alcatrazes é realmente uma espécie de mundo perdido, isolado no tempo e no espaço, decorado por paisagens impressionantes — coroadas em qualquer ângulo pelo Pico da Boa Vista, um Pão de Açúcar de 316 metros de altura, digno de cartão-postal carioca — e habitado por animais únicos, que só podem ser encontrados ali e em nenhum outro lugar do planeta. A ponto de alguns pesquisadores se referirem ao arquipélago como “a Galápagos do Brasil”.
“Se Darwin tivesse parado em Alcatrazes, a teoria da evolução poderia ter nascido ali”, diz o biólogo Paulo Martuscelli, um dos muitos ambientalistas que batalham há décadas pela preservação do arquipélago.
Batalhar, neste caso, tem um sentido quase que literal. Além de ser a ilha oceânica com maior concentração de espécies endêmicas do país, Alcatrazes é também famosa pelos alvos coloridos que adornam algumas de suas encostas rochosas, em meio aos ninhos de atobás. Desde a década de 1980, a Marinha do Brasil utiliza as ilhas e lajes do arquipélago como alvos para a prática de tiros de seus navios de guerra. Ambientalistas revidaram a partir de 1989 com pesquisas científicas — documentando a importância ecológica das ilhas — e com a proposta de criação do Parque Nacional Marinho de Alcatrazes, que se transformou em uma das maiores bandeiras da conservação ambiental no Brasil.
O conflito só chegou ao fim em 2 de agosto deste ano, com a criação do Refúgio de Vida Silvestre do Arquipélago de Alcatrazes. Simbolicamente, não é o Parque Nacional Marinho com que todos sonhavam, mas, na prática, os resultados são quase os mesmos: a ilha principal deixa de ser bombardeada, a pesca fica proibida, e a visitação pública será permitida, sob a supervisão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do governo federal
Com 67 mil hectares de cobertura oceânica, o refúgio de Alcatrazes é agora a segunda maior unidade de conservação integral marinha do Brasil, atrás apenas do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, na Bahia. “É uma responsabilidade muito grande, mas que nos deixa muito felizes”, diz a analista ambiental Kelen Leite, do ICMBio, que nos últimos cinco anos protagonizou os esforços pela criação da unidade.
Em entrevista exclusiva ao Estado, o presidente do instituto, Ricardo Soavinski, se comprometeu a ter o plano de manejo do Refúgio pronto no primeiro semestre de 2017, para abri-lo para visitação pública, “no mais tardar” em agosto, já no primeiro aniversário da unidade. “É compromisso assumido; pode escrever”, disse.
O Estado acompanha a história de Alcatrazes de forma pioneira há mais de três décadas, e em setembro deste ano ajudou a organizar a primeira expedição científica ao arquipélago desde a decretação do Refúgio de Vida Silvestre, com apoio da organização não-governamental SOS Mata Atlântica. Os resultados, você confere na reportagem a seguir.