China desacelera e põe fim à bonança das commodities
Natália Cacioli & Yolanda Fordelone
Brasil se acomodou com os fortes ganhos das vendas de matérias-primas e deixou a indústria em segundo plano; agora, sofre com uma pauta de exportações limitada e com a dependência do gigante asiático
A desaceleração do crescimento chinês tem causado efeitos perversos no Brasil. O menor apetite do gigante asiático fez com que o preço das commodities - matérias-primas negociadas nos mercados internacionais – despencasse e atingisse o menor nível deste século. O temor de um “pouso forçado” vem gerando fortes oscilações na Bolsa de Xangai, com efeitos em diversos mercados do mundo. Essa volatilidade, juntamente com a recente desvalorização do yuan, atinge em cheio as siderúrgicas, mineradoras e petroleiras brasileiras - tanto na Bovespa como fora dela.
LEIA A ANÁLISE: Diversificar pauta é saída para exportações
Com uma pauta baseada, principalmente, em minério de ferro, soja e petróleo, as exportações brasileiras tiveram um baque em termos de valores negociados. Mesmo com o dólar elevado e o aumento da quantidade vendida, o valor dos produtos exportados para a China caiu 19,4% em um ano - quando comparados os dados de janeiro a julho de 2014 e 2015.
Já os preços das commodities caíram 21% entre 2010 e julho de 2015, após subirem incríveis 113% nos oito anos anteriores. Os dados são do índice Commodities Research Bureau (CRB) e evidenciam a montanha-russa desses produtos básicos nos últimos treze anos.
Era da bonança Enquanto a economia mundial ia de vento em popa, a forte demanda por commodities fez os
preços dispararem. Mas esses tempos acabaram
Cesta de commodities PREÇOS EM DÓLARES
Matéria-prima em dólaresPreço máximo Preço atual
MINÉRIO DE FERRO
PETRÓLEO
Soja
CENTAVO DE DÓLAR
POR BUSHEL**
POR TONELADA
POR BARRIL
187,18
134,56
1.695,29
1.013,36
56,74
54,73
fev
2011
jul
2015
jul
2008
jul
2015
ago
2012
jul
2015
MINÉRIO DE FERRO
PETRÓLEO
Soja
CENTAVO DE DÓLAR
POR BUSHEL**
POR TONELADA
POR BARRIL
187,18
134,56
1.695,29
1.013,36
56,74
54,73
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2011
jul
2015
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2008
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MINÉRIO DE FERRO
PETRÓLEO
Soja
CENTAVO DE DÓLAR
POR BUSHEL**
POR TONELADA
POR BARRIL
187,18
134,56
1.695,29
1.013,36
56,74
54,73
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2008
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2015
*Até julho **1 bushel = 27,22 kg Fonte: Índice CRB/Tendências Consultoria
O auge das exportações e dos preços dos insumos coincide com uma fase de forte crescimento mundial, principalmente da China. Com uma política agressiva de investimentos em infraestrutura, construção civil e exportação de manufaturados, o país asiático se tornou o maior comprador de matérias-primas do mundo e levou os preços às alturas. Em 2009, ultrapassou Estados Unidos e Argentina no ranking de principais parceiros comerciais brasileiros - posição em que se mantém até hoje.
“A China teve uma participação grande no boom das commodities, ao se tornar o principal comprador de minério de ferro e outros metais. Na parte agrícola, a alta de preços teve o impacto chinês, mas também de outros países que estavam crescendo”, avalia Lia Valls Pereira, professora e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
Com a atividade em desaceleração, a China tenta mudar as diretrizes de sua economia, diminuindo a participação dos investimentos no PIB e focando no aumento do mercado de consumo interno. Essa mudança de rumos também ajuda a diminuir o preço de algumas matérias-primas, principalmente do minério de ferro, que está diretamente ligado à área de infraestrutura.
Crédito da foto: AEB/Divulgação
A pergunta básica consiste em saber até quando o Brasil ficará dependente do rol de bens primários vendidos à China para sustentar o superávit comercial, contrabalançar a desaceleração da economia doméstica e superar o surto inflacionário que onera os custos de produção.
— Mauro Laviola
Vice-Presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB)
O preço médio da tonelada do minério caiu 71% em pouco mais de quatro anos. Do pico de US$ 187,18, em fevereiro de 2011, o produto despencou para US$ 54,73, em julho de 2015. Apenas nos últimos 12 meses encerrados em julho, a queda foi de 43%.
Como resultado, as empresas brasileiras têm amargado fortes perdas. A Usiminas teve prejuízo pela quarta vez seguida no segundo trimestre do ano, de R$ 781 milhões, e as ações ON acumulam queda de 32,9% em 2015. Em relação aos primeiros três meses de 2015, as perdas aumentaram 232%. No segundo trimestre, a Vale conseguiu garantir um lucro de aproximadamente R$ 5 bilhões, mas, para isso, focou na diminuição de custos. A companhia confirmou que o preço do minério de ferro negociado por ela caiu 40% em um ano. Na Bolsa, as ações ON da mineradora acumulam perdas de 27,7% em 2015.
Erros do passado. Para o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, o País não soube aproveitar o bom momento dos preços dos insumos. “O Brasil não fez acordos comerciais quando tinha força para negociar. Não houve contrapartida, como abrir mercado para os nossos produtos manufaturados”, diz. “O erro primordial foi que o Brasil se colocou como dependente da China, e não o contrário”.
Crédito da foto: Jorge Rosenberg/Divulgação
O superciclo das commodities não foi aproveitado; houve um erro estratégico. O governo escolheu estimular o consumo e aproveitar a festa, mas não fez as reformas para aumentar a capacidade produtiva do País. Ninguém quis pensar que teria uma ressaca lá na frente.
— Roberto Dumas Damas
Especialista em China do Insper
Com o dinheiro farto das commodities, o governo encheu os cofres das reservas internacionais, mas deixou de olhar para a indústria. “O Brasil se desindustrializou nesse período”, destaca o professor do Insper e especialista em China Roberto Dumas. Segundo ele, houve um erro de estratégia: “Em vez de apenas estimular o consumo, o governo precisava ter melhorado a capacidade produtiva”.
Sem uma indústria competitiva, o País concentrou ainda mais a sua pauta de exportações. Em 2002, os três principais produtos vendidos para a China - minério de ferro, petróleo e soja - correspondiam a 61,1% de todo o valor exportado. Em 2014, a concentração desses itens encostou em 80%.
E com a queda no preço dos insumos, a relação comercial que ainda traz dinheiro para o Brasil pode mudar em breve. Em 2011, o superávit da balança comercial brasileira em relação à China foi de US$ 11,5 bilhões. Desde então, o número vem diminuindo e chegou a US$ 3,3 bilhões em 2014. Considerando somente a balança de produtos manufaturados, o Brasil carrega um déficit crônico há anos.
Commodities X manufaturados O Brasil exporta matéria-prima, e a China nos vende produtos industrializados. Com o preço das commodities em alta, a balança ficou mais favorável do lado de cá. Agora a conta começa a virar
Saldo da balança comercial Brasil X China em bilhões de dólares
Histórico das exportações e importações Brasil X China em bilhões de dólares
Fonte: MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR
‘Soft landing.’ Se a aterrissagem chinesa vai ser algo suave, o chamado “soft landing”, ou uma desaceleração acentuada ainda é uma grande dúvida. Um tropeço lá tem potencial para se tornar um grande tombo aqui - mas também há oportunidades.
Com uma população de 1,3 bilhão de pessoas, o mercado consumidor da China pode ser a menina dos olhos para muitas empresas - mesmo com um governo protecionista. Segundo o professor Dumas, do Insper, Brasil e China podem ter economias complementares. “A China não consegue produzir tudo o que consome”, diz. Para ele, o fortalecimento do mercado interno chinês pode ampliar as vendas brasileiras das chamadas “soft commodities”, ou produtos agropecuários, e favorecer empresas do setor.
O ‘SOFT LANDING’ DA CHINA A China cresce forte, mas mostra sinais de desaceleração ano após ano. E um tropeço lá, vira um tombo aqui
*Projeção FMI
Diversificar os mercados, olhando o mundo além da China, também se tornou fundamental. Embora o preço das commodities deva continuar em queda nos próximos anos, caminhando na direção contrária ao dólar, há espaço para crescer em outros países. “A Índia, alguns países africanos e outros da Ásia estão crescendo. Se o mundo voltar a se expandir, haverá espaço para exportar commodities. O problema desta pauta é o preço ficar vulnerável aos ciclos externos e não saber usar o ganho nos períodos de bonança”, destaca Lia, do Ibre/FGV.
Durante visita oficial da chanceler alemã, Angela Merkel, a própria presidente Dilma Rousseff reconheceu que os tempos são outros. Ela defendeu um novo padrão de crescimento, pautado na produtividade e na educação - seguindo o exemplo do país de Merkel. “A China vai mudar o padrão de crescimento e nós sabemos que o ciclo de commodities fácil acabou”, reconheceu Dilma.
Diversificar pauta é saída para exportações
— Lia Baker Valls Pereira
Pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
A desvalorização da moeda chinesa apenas acentua a tendência de queda nos preços das commodities, que é a principal explicação para o recuo em valor das exportações brasileiras desde 2012, associada à desaceleração da própria economia chinesa. Além disso, a diretriz do governo chinês pós-crise de 2008 - por um crescimento liderado pelo consumo do mercado doméstico - reduz a demanda por importações e de matérias-primas, como o minério de ferro.
Logo, não deverá se repetir o cenário de bonança, trazido pela alta dos preços das commodities, que levou o Brasil a adiar as questões estruturais que afetam a competitividade das manufaturas. Desde 1980, o valor mais frequente da participação das exportações de manufaturas brasileiras no comércio mundial é de 0,7%. O maior porcentual foi de 1%, atingido uma única vez, em 1984. Como pode, então, ser a relação comercial Brasil-China nesse novo cenário?
Primeiro, o Brasil continuará vendendo suas commodities para a China. O aumento do consumo por produtos domésticos no novo modelo chinês requer que a renda continue aumentando e sendo mais bem distribuída. A demanda por produtos agropecuários continua garantida, pois a terra agriculturável na China não é suficiente para alimentar a sua população.
O desafio para o Brasil é, portanto, diversificar a sua pauta de produtos intensivos em recursos naturais, além da soja em grão, que respondeu por 41% das exportações do País para a China em 2014. Com o crescimento da renda per capita, a cesta de produtos alimentares se diversifica e novas oportunidades surgem.
A variedade de frutas brasileiras, por exemplo, pode ser aproveitada para a venda de sucos, além do tradicional suco de laranja. A criação de produtos associados a marcas de empresas brasileiras, vendidos nos supermercados chineses, tem um grande potencial de crescimento para as exportações brasileiras. Estamos falando de manufaturas intensivas em recursos naturais.
Segundo, sair de uma relação de comércio Norte-Sul, venda de manufaturas e compra de commodities, como é a relação China-Brasil, requer o crescimento dos fluxos de investimentos entre os países. No novo modelo chinês, o tema da internacionalização das empresas é destacado e, logo, deve ser intensificada a entrada dos investimentos diretos chineses no País.
O tamanho do mercado interno brasileiro, protegido da concorrência de importados, foi muitas vezes anunciado como um dos atrativos para a vinda do capital estrangeiro. No novo cenário mundial, no qual as barreiras comerciais estão caindo, porém, esse argumento perde força. Logo, para que esses investimentos possam contribuir para o aumento da competitividade dos produtos brasileiros, as questões estruturais, que terminam sendo adiadas, têm de ser priorizadas. A agenda é extensa e inclui temas do Custo Brasil e da melhora do ambiente de negócios.
Não é o mercado interno protegido que irá garantir a entrada de grandes investimentos chineses nos setores modernos de manufaturas e serviços do Brasil.