Fanzine ganha vida no formato digital

Populares nos anos 70, publicações independentes retornam com ajuda de compartilhamento na internet

Humberto Abdo e Júlia Corrêa

Terceira edição da Feira Plana, evento anual dedicado a publicações independentes e fanzines, em São Paulo Crédito: Alexandre Furcolin

O hábito de compartilhar projetos e ideias não é uma invenção recente, mas há até pouco tempo, fotografias, ilustrações e quadrinhos pertenciam muito mais às bancas e livrarias do que ao mundo virtual. Os fanzines, publicações independentes popularizadas pelo movimento punk no fim dos anos 1970, nasceram conectados à cultura urbana e a um espírito de contestação comum entre grupos dessa época. Antes produzidos com mimeógrafos e inspirados no formato de revistas, hoje assumem uma nova roupagem e carregam muito mais aspectos do movimento maker do que se imagina.

“Cinco anos atrás, a internet criou o consenso de que os zines haviam morrido, mas o interesse pela cultura do ‘faça você mesmo’ deu novo fôlego aos fãs”, diz Douglas Utescher. Ele e a esposa Daniela são os idealizadores da Ugra Press, micro-editora que começou como blog e loja virtual e, em julho deste ano, ganhou uma loja física no Centro de São Paulo, onde reúne as principais edições brasileiras de fanzines impressos.

Uma das novidades é que a geração atual se preocupa principalmente com os aspectos estéticos de cada página, analisa Utescher. Muitos zines se tornaram um espaço de desenvolvimento estilístico, com colagens, desenhos e outros recursos que podem funcionar até como portfólio e ainda se relacionam bem com a internet. “Hoje temos poucos fanzines de opinião, modelo bastante comum até o final dos anos 90”, afirma.

O fanzine Causa Mortis começou como uma edição online feita por ilustradores nacionais e internacionais, o que ajudou na divulgação de seus primeiros zines impressos. Dimas Forchetti, um dos idealizadores, aposta no meio digital para conhecer novos formatos e artistas. Com duas versões já disponíveis, ele planeja lançar pelo menos duas novas edições online por ano.

Para Luciana Ribeiro, editora e autora do zine Objetus Lúdicus Antimatéria, o contato com criadores de diferentes locais preserva um “espírito de época”, como nos anos 1970. Feito em Brasília, seu fanzine inclui colaboradores “itinerantes” que enviam artes, textos e ideias para novas edições. “Escolhemos publicar na internet para atingir um público maior, porque a circulação da versão impressa acaba ficando restrita regionalmente”, diz.

Colagem publicada em segunda edição do Objetus Lúdicus Antimatéria, fanzine de Brasília Crédito: Luciana Ribeiro

Com o crescimento dos “fanzineiros”, surgiram eventos como a edição anual da Ugra Zine Fest, que em setembro recebeu expositores de todo o País no Centro Cultural São Paulo, ou a Avessa, que começou no dia 8 e vai até 18 deste mês. Desde 2012, a Feira Plana também reúne editores independentes e designers anualmente – e ainda oferece uma biblioteca de acesso livre, no bairro Santa Cecília, com todo o acervo colecionado nos quatro anos de feira.

É nessas feiras que o porto-alegrense Nicolas Nardi promove oficinas para compartilhar seus métodos de confecção de fanzines, aproximando a técnica de fazer publicações artesanais ao movimento maker. Estudante de Letras, ele aposta nos zines como uma porta de entrada para o universo da leitura. Nas aulas, Nardi explica a história das publicações e ajuda aprendizes a montar seus próprios trabalhos.