Exposição em São Paulo, Rio
e Brasília destaca vida e obra da celebrada artista mexicana e relaciona seu universo com o de 15 surrealistas que estiveram no México

ualquer exposição dedicada à artista Frida Kahlo (1907-1954) não desvincula sua obra de sua biografia. Aclamada - ou até mesmo odiada por alguns, a mexicana estampou em suas pinturas passagens dramáticas e trágicas de sua história como os abortos sofridos, as traições do marido, o pintor Diego Rivera (1886-1957), a dolorida relação com o corpo debilitado pela poliomielite contraída na infância e pelo acidente de ônibus que, anos depois, lhe causou lesões na coluna e no útero. Mas quando se fala desta criadora, uma das personalidades mais populares de todos os tempos, não há como também deixar de mencionar os amantes que colecionou em sua vida.

 

Frida Kahlo em "Autoretrato con Monos", de 1943Com a mostra Frida Kahlo - Conexões entre Mulheres Surrealistas no México, que será inaugurada para o público em 27 de setembro no Instituto Tomie Ohtake, o público brasileiro poderá entrar diretamente no universo da mítica pintora em 19 de suas pinturas, 13 de suas obras sobre papel e fotografias de Nickolas Muray, Bernard Silberstein, Martin Munkácsi e Héctor García, que trazem um pouco da intimidade da artista. Mas, mais ainda, a exposição promove a oportunidade de seus visitantes se aproximarem da vida e da obra de outras 15 importantes criadoras que conceberam, em terras mexicanas, trabalhos tão vibrantes e intensos quanto os de Frida - dentre elas, Leonora Carrington, Remedios Varo, Maria Izquierdo, Lola Álvarez Bravo e Alice Rahon.

 

Depois de São Paulo, onde será apresentada até 10 de janeiro de 2016, a mostra passará pela Caixa Cultural do Rio (de 2 de fevereiro a 27 de março) e pela Caixa Cultural de Brasília (de 12 de abril a 12 de junho). "O diálogo das artistas com Frida é feito através de segmentos relacionados aos temas que ela tratou em suas obras", diz a curadora Teresa Arcq. Em mais de cem peças selecionadas de coleções públicas e privadas do México e de outros países, a exposição percorre questões de relevo para aquelas surrealistas, como a prática do autorretrato - a principal faceta da celebrada produção de Frida Kahlo; a criação de naturezas-mortas como forma de tratar de erotismo e de narrar emoções; o fascínio pela magia e por crenças populares; e o papel das mulheres na cena cultural mexicana das primeiras décadas do século 20.

 

Obras das surrealistas Alice Rahon, Leonora Carrington e Remedios Varo, que viveram no MéxicoObras das surrealistas Alice Rahon, Leonora Carrington e Remedios Varo, que viveram no MéxicoObras das surrealistas Alice Rahon, Leonora Carrington e Remedios Varo, que viveram no MéxicoObras das surrealistas Alice Rahon, Leonora Carrington e Remedios Varo, que viveram no México¡¢

 

Extensões de Frida na Cidade do México

 

Com a realização da exposição Frida Kahlo - Conexões entre Mulheres Surrealistas no México, que será apresentada em São Paulo, Rio e Brasília, o público entrará em contato com a artista por meio de suas obras, mas a reportagem esteve na Cidade do México e visitou lugares importantes onde é possível se conhecer a história e as criações da celebrada personalidade do século 20. Vale a pena a visita ao país de Frida.

 

 

 

Grande coleção de quadros  no Museu Dolores Olmedo

 

Ao sul da Cidade do México, em Xochimilco, o Museu Dolores Olmedo guarda uma expressiva coleção de 26 obras de Frida Kahlo, entre elas, algumas de suas mais destacadas pinturas como os autorretratos Mi Nana y Yo (1937) e A Coluna Partida (1944). A empresária Dolores Olmedo (1908-2002), filha de uma humilde professora que se transformou em dona de uma poderosa empreiteira no México, também colecionou 148 trabalhos de Diego Rivera, o amigo com quem teria tido um caso na juventude e do qual foi mecenas até o fim da vida do pintor, além de criações de Angelina Beloff (uma das esposas do muralista) e peças arqueológicas. Figura importante em seu país, Doña Lola, como era conhecida, criou o museu em 1994 em uma espécie de sítio construído no século 16, adquirido por ela na década de 1960 e onde viveu até sua morte. O local histórico, de origem pré-hispânica, merece também uma visita aos jardins que abrigam conhecidas espécies da flora mexicana, como os grandes cactos do tipo maguey, e os curiosos xoloitzcuintles, cachorros desprovidos de pelos e considerados "mágicos" desde os astecas. O animal, que já esteve em extinção, é uma referência não apenas nas obras de Frida Kahlo como de outros artistas.

 

Vistas do museu criado pela colecionadora Dolores Olmedo com 26 obras de Frida e 148 de RiveraVistas do museu criado pela colecionadora Dolores Olmedo com 26 obras de Frida e 148 de RiveraVistas do museu criado pela colecionadora Dolores Olmedo com 26 obras de Frida e 148 de RiveraVistas do museu criado pela colecionadora Dolores Olmedo com 26 obras de Frida e 148 de RiveraVistas do museu criado pela colecionadora Dolores Olmedo com 26 obras de Frida e 148 de RiveraVistas do museu criado pela colecionadora Dolores Olmedo com 26 obras de Frida e 148 de Rivera¡¢

 

O encontro com o muralismo

 

Frida Kahlo conheceu Diego Rivera em 1928 e no ano seguinte o artista retratou sua futura mulher no último dos 120 murais que realizou para os espaços da Secretaria de Educação Pública a pedido do governo mexicano. Vestida com uma camisa vermelha e com símbolos que remetem ao Partido Comunista, Frida aparece em destaque no afresco de Rivera - eles se casaram em 1929, pouco depois do término da pintura. Ambos estavam conectados pelo amor e pela política, mas a pintora não chegou a participar do muralismo em seu país. O movimento de resgate da identidade cultural depois da revolução de 1910 no México foi, na verdade, dominado por homens - além de Rivera, outros grandes expoentes foram David Siqueiros (1896-1974), rival do marido de Frida, e José Orozco (1883-1949).

 

Basicamente, três lugares da Cidade do México guardam os tesouros da arte mural do país. Na Secretaria de Educação Pública, onde o visitante encontra também monumentais e coloridas intervenções de Siqueiros, os murais de Diego Rivera tratam da evolução cultural e social do México. As obras do pintor para o local, criadas em duas temporadas – entre 1923 e 1924 e em 1928 –, falam também da história mexicana. O mesmo tema domina os tão famosos afrescos que o artista realizou entre 1929 e 1935 para o Palácio do Governo do México. Entre trabalhos que retratam as culturas pré-hispânicas, ciclos econômicos e símbolos como a águia que representa o México e seus cactos, Frida Kahlo também aparece na principal obra da instituição.

 

Já no Antigo Colégio de San Ildefonso, onde Rivera fez sua primeira obra mural, intitulada A Criação, o grande destaque são os afrescos de Orozco. Trata-se de obras de traços caricaturais, concebidas a partir de incisiva crítica à utopia que envolveu a revolução mexicana. Era, afinal, essa a visão do artista na época.

SERVIÇO

Frida Kahlo - Conexões entre Mulheres Surrealistas no México

Instituto Tomie Ohtake

Rua Coropés, 88 - Pinheiros, São Paulo - SP

(11) 2245-1900

De 27 de setembro a 10 de janeiro de 2016

De terça a domingo, das 11h às 20h
Entrada R$ 10 (grátis às terças-feiras)

 

Caixa Cultural do Rio

Av. Almirante Barroso, 25, Centro, Rio de Janeiro - RJ

(21) 3980-3815

De 2 de fevereiro a 27 de março de 2016

 

Caixa Cultural de Brasília

 SBS – Quadra 4 – Lotes 3/4 – Brasília – DF

(61) 3206-9448

De 12 de abril a 12 de junho de 2016

Créditos

Textos: Camila Molina

Imagens: Divulgação e Camila Molina/Estadão

 

Intimidade na Casa Azul

 

Transformada em museu em 1958, a Casa Azul - Museu Frida Kahlo está localizada na Rua Londres de Coyoacán, bairro da Cidade do México. O local conserva móveis, livros, quadros, retratos, uma rica coleção de peças pré-hispânicas, arquivos, objetos de decoração e de uso pessoal da artista e de seu marido, o pintor Diego Rivera. No interior dos cômodos e nos jardins internos, tudo apresenta-se da maneira como na época em que o famoso casal viveu naquela residência. Eles viveream na Casa Azul entre 1929 e 1954. A instituição, doada por Rivera ao governo mexicano recebe visitas de cerca de 25 mil pessoas por mês.

 

Frida nasceu na Casa Azul e conta-se que ela teria mandado pintar o lugar com essa cor para espantar os maus espíritos. A pintora também teria solicitado a Rivera que cuidasse para que suas cinzas ficassem guardadas na morada quando morresse - verdade ou não, menciona-se que o recipiente exposto sobre a penteadeira do "quarto da noite" da artista refere-se a esse desejo. Já no "quarto do dia", ao lado, o visitante encontra a mítica cama de madeira com um espelho acoplado para que Frida pudesse se ver mesmo que deitada e fosse capaz de criar alguns de seus famosos autorretratos durante os períodos de recuperação de mais de 30 cirurgias realizadas em seu corpo.

 

Caminhando ainda pela Casa Azul, vê-se uma cadeira de rodas à frente de um cavalete abrigado no grande ateliê da pintora, com amplas janelas para os belos jardins e estantes de livros (um deles, curiosamente, é um catálogo de obras do pintor brasileiro Cândido Portinari). Apesar das limitações físicas e das dores nas colunas, Frida trabalhava, mas o tema da dor fica realmente explícito com a exposição da prótese que ela usava no lugar da perna amputada e dos corpetes que a protegiam.

 

Entretanto, nem tudo na casa refere-se ao sofrimento da artista. Vitrines apresentam os coloridos vestidos de tehuana de Frida Kahlo, trajes de origem indígena da região de Oaxaca que atestaram ao mundo a exuberância da artista. Há também pinturas criadas pela mexicana expostas sobre paredes de salas e painéis com retratos fotográficos que exaltam o amor da artista pelo pai, o fotógrafo Guillermo Kahlo (o alemão Carl Wilhem trocou seu nome quando se mudou para o México), e lembram seus ilustres amantes (tanto homens quanto mulheres). Do lado de fora, a casa é azul, e, dentro, o vibrante amarelo dos espaços da residência que até hospedou o revolucionário marxista Leon Trotsky em seu exílio da Rússia, são o testemunho de muitos capítulos da história.

 

Detalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego RiveraDetalhes da Casa Azul de Frida Kahlo e Diego Rivera¡¢

 

Um ateliê pequeno
demais para seu gosto

Em 1931, Diego Rivera encomendou ao arquiteto e artista Juan O'Gorman (1905-1982), um dos mais antigos amigos de Frida Kahlo, que projetasse a nova residência e ateliê do casal que partia de viagem para os EUA. Hoje, as modernistas casas-gêmeas do bairro de San Ángel, referências da chamada arquitetura funcionalista, integram o conjunto do Museo Casa Estudio Diego Rivera y Frida Kahlo .

 

As construções em concreto, vidro e estruturas aparentes de tijolos, concebidas para serem residência e ateliê dos dois artistas, são ligadas por uma ponte suspensa. A maior delas, em vermelho, era destinada a Diego; a outra, pintada com o mesmo azul da casa de Coyoacán, era a de Frida. Entretanto, na época, a artista considerou que os espaços de seu local de trabalho - e, principalmente, sua cozinha  - eram incômodos e pequenos demais para seu gosto. Ela resolveu, assim, voltar a viver na residência onde havia nascido e o casal dedicou o conjunto projetado por O'Gorman para receber seus ilustres hóspedes.